‘A inflação deve levar 2 anos para voltar à meta’
Recentemente, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu que a inflação no Brasil está disseminada e que o trabalho da autoridade monetária pode ser mais difícil do que o previsto. Qual a sua avaliação?
De fato, a inflação no Brasil está chegando, em 12 meses, a quase 11%. É uma questão relevante, um trabalho duro. A inflação ficou muito tempo em torno das metas, uma situação mais confortável, mas agora, infelizmente, voltou para quase 11%. Eu acho que o trabalho à frente do BC será longo, de uns dois anos, para fazer a inflação ir caindo ao longo do tempo. E se torna muito mais difícil pela ausência de uma percepção de uma âncora fiscal mais definida, como quando tinha o teto. Temos uma inflação global maior também e temos cenários políticos mais polarizados no ano que vem. Quanto de juros vai precisar, é preciso ver. Acho que até o começo – e ao longo – do ano que vem, o juro vai estar mais lá em cima, ficar um tempo parado, para só depois começar a cair.
E esse cenário está ligado mais a questões internas, agravadas ano que vem pela eleição, ou por questões externas?
Quase sempre é uma combinação de externo e interno. Parte da inflação é externa; a outra, criamos nós mesmos. Tem a contribuição dos dois lados. Se a inflação global ceder, ajuda, mas ainda teremos nossa parte aqui para lidar. Eu não acho que a nossa inflação é apenas consequência de uma inflação global externa. Acho que tem uma combinação. É difícil saber o peso exatamente.
O IPCA-15 de novembro, que ficou em 1,17%, mostrou um recuo em relação ao mês anterior, mas analistas indicam que há uma disseminação grande. Quais as condições para a inflexão?
Estamos com uma inflação muito alta no Brasil e gostaríamos de ver alguma inflexão mais para frente. Para isso, são necessárias algumas condições. Primeiro, o Banco Central já está reagindo, mas, infelizmente, a economia vai desacelerar. Se pudermos ter um câmbio estável no ano que vem, ajudará na inflexão. E seria ideal ter uma resolução fiscal melhor, mas não estamos vendo isso acontecer. Então, vamos ter um período longo de combate à inflação, uma desaceleração relevante da atividade, provavelmente uma recessão no ano que vem. Isso por causa do combate que precisa ser travado, das incertezas, do cenário internacional. Há todas as condições para baixar, mas não será algo imediato.
Do ponto de vista fiscal, o que efetivamente pode ajudar o BC?
O Brasil tem um problema que ainda não conseguiu resolver: como vai organizar suas contas públicas. Quer gastar mais do que tem de financiamento. Ou seja, não queremos o financiamento pela inflação, queremos que a inflação caia, e não suba. Não queremos ter maior carga tributária, desde a votação da CPMF lá atrás, isso ficou claro. E, para financiar via dívida, fica difícil, porque é preciso haver uma percepção de que a dívida não vai seguir subindo. Então, é preciso uma âncora fiscal, um teto ou alguma coisa assim. Como não temos uma definição clara de onde queremos gastar, gastamos em tudo: no social, na saúde, na educação, no funcionalismo público, nos aposentados, nas emendas, nos subsídios. E ainda seguimos pedindo. Há uma percepção cultural de que o Estado nos deve. Para ajudar o Banco Central, é preciso, politicamente, tomar decisões sobre o que vai financiar tudo isso. Economicamente, significa dar ao BC uma decisão da sociedade do que quer fazer, onde quer gastar e como quer financiar. Não se quer o teto de gastos, tudo bem, mas qual vai ser o limite? O que não funciona é não ter restrição porque, aí, a inflação acaba sendo empurrada como a solução na ausência de outras. Nesse cenário, o Banco Central não vai conseguir controlar porque o fiscal vai puxando para o outro lado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.