Ação salva 70 jacarés que disputavam poça no Pantanal

Um mutirão de organizações transportou jacarés ameaçados pela seca do Pantanal no último mês. Cerca de 70 animais desnutridos e desidratados foram transferidos de um corixo seco do Rio Pixaim, em Poconé (Mato Grosso), onde disputavam uma poça que chegava a 35ºC com pelo menos 600 jacarés. A intervenção fez parte da operação em Mato Grosso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que segue até a chegada das chuvas no Pantanal Norte, previstas para o fim de outubro.

Com o princípio de interferir o mínimo possível no ambiente, o Ibama, em conjunto com outras organizações ambientais, decidiu remanejar os jacarés com base em um estudo da água restante do corixo, que se mostrou “inadequada para qualquer tipo de vida”. “É mais fácil você dizer que translocou alguns animais do que anunciar a morte de dezenas deles em razão da falta d’água”, avaliou na ocasião o presidente da Ecotrópica, Ilvanio Martins.

Para garantir a segurança das equipes de voluntários e dos jacarés, o remanejo precisou ocorrer em boas condições de iluminação e temperatura. “Os animais eram avaliados e só eram resgatados os que estavam em estados mais críticos, como desnutridos e desidratados”, conta Magnus Olzon, fundador da Brigada Pantanal Norte, do Instituto SOS Pantanal. Após serem contidos por quatro pessoas cada, os jacarés foram levados para as vans que fizeram o trajeto de uma hora até o novo lar, onde receberam soro e suplemento alimentar. Na viagem, eles seguiam com os olhos vendados e com a boca e os membros superiores e inferiores contidos.

Desde o início da intervenção na Ponte 3 da Rodovia Transpantaneira, caminhões-pipa de 16 mil litros fazem a reposição diária da água do corixo para beneficiar a população que permaneceu. Um trabalho de “enxugar gelo”, segundo Martins, da Ecotrópica, porque o volume é consumido diariamente pelo uso e evaporação.

Carcaças

Voluntários que participaram da ação relatam ter visto muitas carcaças intactas e casos de atropelamento de animais na rodovia, possivelmente fugindo da seca que atinge o Pantanal. Mas a translocação de jacarés não tinha o objetivo de evitar uma extinção, afirma o servidor do Ibama Bruno Ramos. “Isso não causa alteração nenhuma na população. A gente fez isso pensando no indivíduo em si, na qualidade daquele indivíduo que estava em processo de sofrimento.”

Os jacarés podem passar por um período na lama sem comer, chamado de estivação, por até 90 dias. O problema para Martins é que não se sabe quando eles iniciaram o processo, uma vez que o bioma está desde julho em seca extrema. E alterações como essa causam ocorrências nunca vistas antes, como jacaré comer mamão, quando o esperado é que pratique canibalismo em situações assim.

“Quando a condição se esgota, a impressão que temos é que inicia no mundo animal uma capacidade de interação e tolerância, porque todos precisam daquele espaço”, diz Martins, que conta ter visto no corixo abastecido jacaré, capivara, garça e gado beberem água juntos.

O jacaré-do-pantanal tem uma população estável de 3 milhões de indivíduos no bioma, onde encontram abundância de água e alimentos, além de praias para colocarem seus ovos na areia. “É um ambiente talvez dos mais propícios no mundo para jacarés”, afirma o pesquisador de ecologia Rudi Laps, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Durante a estiagem, é possível ver uma concentração de animais que costumam ficar espalhados em períodos de cheia, mas não se trata de um desequilíbrio. Nos anos 1980, a caça desenfreada para venda de couro e carne de jacarés no mercado internacional diminuiu a população da principal espécie da região. “Em muitos locais, demorou bastante tempo para eles voltarem.”

Hoje, a seca é um dos fatores de mortalidade de jacarés. Além de diminuir a oferta de alimentos, prejudica a termorregulação do animal: em temperaturas altas, ele vai para a água ou para a sombra. “A gente não sabe se uma espécie desse tamanho vai conseguir se recuperar novamente. Não sabemos qual é o grau de resiliência das populações de jacaré”, afirma Laps. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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