Afeganistão: ‘A milícia não moderou conduta e está mais vingativa do que antes’
Qual a diferença do Taleban de hoje e o de 2001?
Em qualquer grupo, quando se compara o passado e o presente, é preciso ver o que eles estão falando e o que estão fazendo de verdade. O que os líderes do Taleban disseram em Doha (sede das negociações com os EUA) era que eles estavam diferentes do que foram do passado, que tinham aprendido muito. Infelizmente, na prática, suas políticas, especialmente nas áreas em que já controlam, não têm sido diferentes em nada.
Pode citar um exemplo?
Em alguns lugares, eles estão até piores, especialmente em áreas capturadas. Como reflexo, essas capturas têm sido baseadas em vingança contra pessoas que trabalharam para o governo ou para as forças militares estrangeiras no Afeganistão. Por exemplo, eles capturaram um dos distritos na Província de Kandahar, fronteira com Paquistão. Houve relatos de que mataram muita gente, entre 100 e 200 pessoas, que trabalharam para o governo ou para forças estrangeiras.
Em outras partes também?
Na realidade, o discurso não condiz com as ações no terreno, infelizmente. E isso pode ser dito sobre os distritos no nordeste ocupados até agora. Eles disseram que respeitariam os direitos das mulheres, os direitos humanos, mas isso não está acontecendo. Há relatos de que os milicianos estão pedindo à população para entregar suas filhas para seus combatentes. E isso é o contrário do que falaram em Doha.
Com a guerra no Afeganistão, como o Taleban manteve sua ideologia viva?
A maioria de seus combatentes vem de escolas religiosas, as madrassas, no Paquistão, não mais do Afeganistão. Eles são em sua maioria cidadãos afegãos que já estudaram ou são estudantes das madrassas, com o apoio do governo do Paquistão. São jovens com menos de 30 anos, alguns deles adolescentes. São estudantes que acreditam na causa do Taleban, na sua ideologia, e são a grande parcela de sua força. Há também afegãos de vilas que lutam com eles, não porque acreditam em sua ideologia, mas porque estão descontentes com o poder em Cabul.
Há paquistaneses entre os combatentes?
Se olharmos os combates dos últimos anos no Afeganistão, a cada ano, as lutas se acirram no verão (Hemisfério Norte), como neste ano. Isso acontece porque as madrassas estão fechadas no Paquistão e os estudantes estão livres para combater no Afeganistão. Acrescentando a isso, há muitos cidadãos paquistaneses lutando com o Taleban no Afeganistão. Há relatos nas redes sociais sobre centenas de corpos de combatentes paquistaneses transportados de volta para o Paquistão.
O processo de formação é o mesmo do início da milícia?
Sim. Eles ainda usam a mesma técnica e a mesma propaganda, dizem a seus combatentes que lutam uma guerra santa, para pôr fim ao establishment no Afeganistão e reinstalar um sistema que perderam em 2001. É o mesmo sadismo, tentam despertar com a mesma propaganda o sentimento de que lutam por uma causa religiosa.
Nesse contexto, o papel do Paquistão é fundamental?
Sempre. Não apenas nos últimos 20 anos, mas desde 1994, quando o Taleban foi fundado, o establishment paquistanês apoia a milícia. Se você olhar para o número de combatentes da Al-Qaeda mortos, verá que a maioria foi no Paquistão, incluindo o líder da rede, Osama bin Laden. Todos esses combatentes do Taleban e de outros grupos receberam o apoio do Paquistão, de seu Exército e de suas agências de inteligência e segurança. Se olhar agora para a milícia, há combatentes que estavam na Caxemira, que lutaram ao lado das forças do Paquistão, mas são do Taleban.
Qual o interesse do Paquistão?
O interesse é significativo. Olhando o Paquistão de uma perspectiva diferente, eles ainda consideram o Afeganistão o seu quintal, e necessário contra uma possível agressão no futuro. Se tiverem um governo aliado em Cabul e se a Índia um dia atacar, o Paquistão vai querer ter alguém para apoiá-lo. É por isso que eles sempre demonstraram apoio ao Taleban.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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