Anne Rice trilhou caminho singular, mas tornou-se refém da própria criação

Stephen King a considerava uma autora de pornografia soft – o comentário maldoso não escondia uma ponta de orgulho ferido, pois Anne Rice, que morreu neste sábado, 11, aos 80 anos, atraiu boa parcela das fãs de King, que abriram mão do terror do criador de romances como O Iluminado pelos vampiros sexies e amargurados da escritora, sentimentos que os aproximavam da rotina dessas leitoras, apesar de todo simbolismo.

Anne Rice trilhou um caminho singular na literatura de terror/policial, encontrando um viés pouco explorado por autores do gênero e que lhe abriu o caminho do sucesso. Se King ambienta suas histórias sobrenaturais nos cenários reais da vida cotidiana, Rice criou personagens góticos e sexualmente ambivalentes, como Lestat, protagonista de Entrevista com o Vampiro (1976), romance que alcançou enorme êxito e até inspirou uma versão para o cinema, em 1994, o que reacendeu o interesse por vampiros.

“Eu tive uma ideia de Lestat como o homem de ação, o homem que poderia fazer coisas que eu não poderia fazer”, disse Rice em uma palestra na Southern Illinois University em 2010. Ali estava, provavelmente, o segredo do personagem vivido por Tom Cruise na tela grande: alto, loiro e de olhos azuis, o vampiro não teme crucifixos e é perversamente engraçado. Ao mesmo tempo, é um homem titubeante, marcado pela angústia provocada pela imortalidade.

Com isso, Rice buscava encarnar em apenas um personagem sua própria ebulição emocional – ela nasceu em família católica, mas abandonou a religião aos 18 anos. E só a retomou em 1998, quando se recuperou de um coma provocado pela diabete, mas mantendo-se distante da Igreja Católica, cuja conduta condenava em vários aspectos. Assim, por meio de um vampiro amoral, ela se mostrava como alguém que, mesmo fora da Igreja, lutava por encontrar um sentido para a vida, mesmo sendo, às vezes, rebelde.

Se tal projeção transformou Lestat em um personagem complexo – o que justificava seu sucesso -, Anne Rice tornou-se, porém, refém da própria criação, o que foi revelado nos seus livros seguintes, exemplos de uma literatura pálida, sem alma e à sombra do vampiro. Imortal, mesmo, apenas Lestat.

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