Apatia marca uma eleição de extremos no Chile
A alta abstenção é uma tradição no Chile. Até 2012, o voto era obrigatório. Em 1989, por exemplo, 92,4% dos chilenos foram às urnas no primeiro turno da eleição presidencial. Mas, desde 2012, quando o voto passou a ser facultativo, os números caíram. Nem mesmo os protestos de 2019, que culminaram no processo de uma nova Constituição, foram capazes de mudar o cenário.
“Não votei no primeiro turno e não votarei no segundo porque os dois candidatos são ruins”, afirma a segurança Silvana Cancino, de Santiago. “Boric é muito novo e creio que mudará de posição se vencer, como o fez Camila Vallejo quando entrou para a Câmara dos Deputados. São a mesma coisa”, afirma, em referência a Camila, que foi líder estudantil como Boric. “Já o Kast diz uma coisa, depois volta atrás, como no caso dos direitos das mulheres. Não dá para confiar.”
Cancino sempre participou das eleições e por muito tempo foi mesária. Agora, ela não espera nada das urnas. “Para nós, que somos trabalhadores, não importa muito o que aconteça. No dia seguinte, estaremos trabalhando novamente. Nada mudará.”
A falta de alinhamento entre as propostas dos candidatos e os anseios da população é um dos motivos da alta abstenção, acredita o analista Kenneth Bunker. “Embora o problema seja estrutural, ele também tem a ver com os candidatos. Sabemos que, quando eles são muito agressivos, quando há polarização, os argumentos não interessam muito às pessoas”, afirma. “Se não há propostas claras, as pessoas simplesmente não votam.”
Representação
Para ele, os partidos políticos perderam as raízes que tinham na sociedade. “O eleitorado chileno é composto por pessoas moderadas, independentes, de centro, e não há nenhum partido político que reflita essas pessoas. Os dois candidatos no segundo turno vêm dos extremos”, disse Bunker.
Morador da Província de Marga Marga, Fernando Azul participou da luta contra a ditadura de Augusto Pinochet e pelo direito ao voto. Em 1983, ele era estudante em Valparaíso e foi às ruas com seu irmão. “Participamos de marchas, pichamos muros, fizemos barricadas. Cheguei a ser preso”, disse. “Lutei porque era uma ditadura repressiva, havia muito desemprego, desigualdade, assassinato, tortura. Não havia liberdade de expressão.”
Por isso, ele lamenta alto índice de abstenção no Chile. “A ditadura eliminou uma educação cívica que existia. As pessoas estão pensando de maneira individual, dentro de um modelo neoliberal que faz com que elas priorizem mais o econômico que o político. É uma pena, porque o direito ao voto, assim como a democracia, é fundamental.”
Voto nulo
De acordo com a pesquisa mais recente da AtlasIntel, 20% dos eleitores estão indecisos ou devem votar em branco ou nulo no domingo. É o caso do economista Rodrigo Herzberg, de Santiago. No primeiro turno, ele votou em Sebastián Sichel, candidato do presidente Sebastián Piñera. Agora, Herzberg pretende anular o voto.
“Se Kast vencer, a esquerda radical incitará protestos sociais, ele usará as Forças Armadas para reprimir. Se Boric vencer, os comunistas tentarão levar adiante as reformas radicais”, afirma. “Como nenhum dos dois dominará o Congresso, sinto que o desastre não será tão grande. Na melhor das hipóteses, teremos anos de estagnação. É uma pena.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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