Aposta do atletismo nacional tem diploma nos EUA, é fã de livros e unhas pintadas
Samory é atleta do salto em distância – mesma modalidade que trouxe o ouro ao Brasil com Maurren Maggi em Pequim-2008 – e costuma chamar a atenção entre os atletas. E não por causa do seu porte físico, de 1,92m de altura e 82kg. O saltador de 24 anos já tem diploma universitário, obtido nos EUA, recebeu convites para fazer mestrado fora do País e já sonha em virar doutor na área de Relações Internacionais.
O caminho que percorre é incomum entre atletas de qualquer esporte, principalmente por vir de uma origem pobre. Samory deu seu primeiro “salto” aos oito anos de idade, quando ganhou uma bolsa para crianças carentes na Sogipa, clube de elite de Porto Alegre. E, como virou rotina em sua trajetória, soube aproveitar a oportunidade.
Como criança e adolescente, ele se destacou em diversas modalidades, dos 50 metros rasos ao salto em altura, passando pela corrida com barreiras. “Tenho o recorde estadual sub-12 e sub-14 até hoje no salto”, disse o atleta, ao Estadão. “Sou prata da casa da Sogipa. Sou respeitado e admirado lá desde criança. Virei até sócio”, afirmou, confirmando a sólida ascensão esportiva.
Uma série de pequenas lesões o direcionou para o salto em distância em 2013. O foco em apenas uma disputa trouxe resultados rápidos. Naquele mesmo ano, no Mundial Sub-18, ainda com 16 anos, registrou a terceira melhor marca da temporada, ainda na fase classificatória. O resultado internacional chamou a atenção e abriu caminho para novos saltos na vida de Samory.
Ele passou a receber convites para se tornar atleta universitário fora do País. E agarrou a chance, mais uma vez com bolsa integral. Foram quatro anos estudando na Kent State University. Enquanto buscava o diploma competia pela universidade e pelo Brasil. Em 2018, venceu o Sul-Americano Sub-23.
No ano seguinte, podia ter iniciado o mestrado na sua área, mas decidiu retornar ao Brasil. O motivo? “Voltei para tentar o sonho olímpico”, disse o atleta, que tinha o mestrado como um Plano B de luxo caso não atingisse o índice. Havia a possibilidade até de estudar em Sochi, na Rússia. Porém, este salto mais longe foi adiado.
Samory precisou mudar seus planos quando, contra sua própria expectativa, obteve o índice olímpico no dia 24 de abril. Ele saltou 8,23 metros no Torneio Cidade de Bragança Paulista e registrou a quinta melhor marca da história da modalidade no Brasil. “Aposto que ninguém da minha equipe esperava por isso, apesar de eu estar saltando bem nos treinos”, admitiu. “Ainda não estou 100%, não estou no meu auge. Por isso o resultado foi tão surpreendente.”
Ele ainda está fora da melhor forma física e técnica porque perdeu quatro meses de treino em 2020. Mas a pandemia também trouxe benefícios. “Ela me deu tempo para trabalhar. Foi crucial. Pude sanar algumas debilidades. Melhorei a velocidade, estou mais forte e perdi os 9kg que ganhei no ano passado.”
IDIOMAS – O índice deu nova confiança a Samory para seguir na carreira de atleta. Ele vislumbra pelo menos mais dois ciclos olímpicos após Tóquio. Se o mestrado ficará para depois, o atleta não pretende desgrudar dos livros entre um treino e outro, principalmente se envolver idiomas. Hoje ele é fluente em inglês e espanhol.
Como em outras áreas de sua vida, sua trajetória nos idiomas começou com uma bolsa, numa escola particular da capital gaúcha. “Lá o inglês era forte. Depois comecei a praticar bastante nas competições internacionais. Virei o tradutor dos colegas atletas e da delegação.” Os próximos passos são as aulas de alemão, língua cujo básico já domina, e o francês.
Com estas ferramentas, o saltador espera ajudar refugiados no futuro, na questão dos direitos humanos, quando iniciar sua atuação na área de Relações Internacionais. Quase sem querer, ele espera seguir o “destino” dado pelo seu nome. Sim, Samory Uiki tem um profundo significado.
“Meus pais, quando jovens, eram muito envolvidos com o movimento negro em Porto Alegre. Queriam um nome que resgatasse essa ancestralidade da África. E acharam esse nome num livro, com vários nomes africanos”, contou o atleta que leva o nome de um importante líder africano do século 19. Samory Touré comandou a resistência do Império de Uassulu, na África Ocidental, contra os colonizadores franceses. Uiki, por sua vez, significa “mel” em iorubá, dialeto nigeriano. “Na África existe esta cultura de que o nome determina o destino da pessoa. Nome de guerreiro dá força para fazer coisas heroicas”, explicou o Samory brasileiro.
Se o nome traz influência africana, o saltador cultiva um hábito que diz ter buscado na cultura oriental, segundo a qual cores “representam coisas”. Seria algo semelhante a vestir branco no réveillon para ter paz no novo ano. Ele gosta tanto de cores que decidiu pintar as unhas por superstição. Gostou e adquiriu novo hábito. “Pintei as unhas e saltei a melhor marca da minha vida. Resolvi, então, pintar somente em competições. E agora decidi pintar semanalmente. Vou até na manicure. Virou um hábito”, disse Samory, entre risos e unhas pintadas de azul e preto.
Para os Jogos de Tóquio, as cores já foram decididas. “Será verde e amarelo, com certeza. Hoje, pintar as unhas me dá confiança.”
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