Audiência pública debate possíveis impactos do decreto sobre uso de armas
A audiência pública proposta pelo líder do Bloco Parlamentar Temático da Segurança Pública, deputado Tito Barichello (União Brasil) nesta segunda-feira, 14, debateu possíveis ações referentes aos impactos causados pelo decreto federal nº 11.615/2023 que tornou mais restritas as regras para registro, posse e porte de armas de fogo.
A medida foi editada pelo governo federal em 21 de julho e, entre outras medidas, regulamenta o Estatuto do Desarmamento e transfere do Comando do Exército, para a Polícia Federal a competência para fiscalização do registro de armas; também reduziu a validade dos Certificados de Registros de Armas de Fogo e restringiu a atividade dos caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador).
O proponente da audiência pública, deputado Barichello, afirmou “compreender que este decreto é completamente ilegal porque uma Lei, quando regulamentada, normatizada, não pode ter seu conteúdo mudado, o Poder Executivo não tem esta prerrogativa. O Executivo não pode, simplesmente, modificar a Lei, suprimindo um direito constitucional de um cidadão de bem possuir uma arma de fogo legalizada. Então nós queremos buscar, através de medidas judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) a nulidade deste decreto e também vamos buscar medidas legislativas no Congresso Nacional através do apoio aos projetos de decretos legislativos (PDLs) que sustam o decreto federal nº 11.615/2023”.
O projeto de decreto legislativo (PDL) nº 193/2023 considera que o decreto federal nº 11.615/2023 avançou na competência legislativa do Congresso e pode fazer com que a Polícia Federal possa sofrer um “colapso” no gerenciamento do sistema de registros de armas. O projeto de decreto legislativo (PDL) nº 190/2023, menciona na justificativa da matéria que o decreto viola a Constituição em vários pontos e exorbita o poder regulamentar do Executivo, além de impedir o exercício de direitos previstos no próprio Estatuto do Desarmamento, por exemplo, a aquisição de munições por caçadores e atiradores esportivos e a possibilidade de autorização excepcional pelo Comando do Exército para compra de armas de fogo de uso restrito.
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa (CCJ), deputado Tiago Amaral (PSD), participou da audiência pública e declarou “o que é mais preocupante nessa questão é a guerra de narrativas, não há base científica ou estatística, é a construção de ideologias e narrativas. Para mim é cristalino: como é que nós temos um aumento de posse e porte de armas de fogo legais por cidadãos brasileiros e justamente nesse período temos a maior redução da criminalidade, número de assassinatos e violência em nosso país? Como podemos comprovar isso? Olhando os números”.
O deputado Ricardo Arruda (PL) disse que “é preciso cobrar da Câmara Federal e do Senado esse posicionamento para aprovar os projetos de decretos legislativos (PDLs) e revogar o decreto federal por isso a pressão popular é fundamental nesse momento. Todas as obrigações legais para se ter um stand de tiro são cumpridas, o problema não são as armas legais, o problema são as armas ilegais que o governo deve combater”. Os três deputados partícipes da audiência pública integram a Frente Parlamentar de Apoio e Defesa dos Direitos dos (CACs), Clubes de Tiro e Lojas de Armamentos e Munições.
O deputado federal Felipe Francischini (PL) declarou que “o governo federal extrapola a sua competência regulamentar. Existem projetos de decretos legislativos tramitando no congresso para sustar esse decreto federal, inclusive já me coloquei a disposição para ser o relator. Mas todos nós sabemos que é preciso dialogar com todas as lideranças do Congresso Nacional para produzir um acordo, porque o que temos em jogo hoje é a liberdade do cidadão, principalmente pessoas que fizeram grandes investimentos, arrecadam impostos e geram empregos e precisam de uma resposta e de segurança jurídica para continuar seus empreendimentos”.
Já a delegada de polícia Tathiana Guzella afirmou que “essa movimentação é a nível de Brasil, todos os estados em maior ou menor nível estão se movimentando para derrubar esta norma restritiva de direitos. Ele limitou tanto o direito às pessoas terem o porte ou até a posse de arma de fogo para própria proteção ou tiro esportivo que chega a esvaziar o conteúdo da própria Lei. A narrativa é construída, pois ao dizer que vai desarmar a população para evitar o aumento da criminalidade, sendo que os dados informam que ocorreu exatamente o contrário”.
Sociedade Civil
A presidente da Federação dos Clubes de Tiro e Comércio de Armas do Estado de Santa Catarina, Fabi Venera, explicou que “o decreto federal que restringe a prática esportiva afeta diretamente os atletas que praticam essa modalidade e que levam o nome do nosso país para o exterior. Com relação a restrição ao número de armas e munições não é um problema majoritário hoje, mas o que afeta diretamente a prática do tiro esportivo é a mudança de calibre, hoje existe uma redução dos calibres onde alguns passaram a ser restritos e que são calibres utilizados em todo o mundo em competições esportivas, assim os atletas ficam impedidos de treinar”.
O empresário do setor, Rodolpho Aymoré Gazabin Junior, comentou que “o setor bélico no país teve uma queda próxima a 90% em vendas, isso significa que para cada 10 armas vendidas no ano passado, hoje vendemos de uma a duas armas. No caso da nossa empresa, tínhamos 48 funcionários e hoje estamos somente com 12 funcionários. Hoje somos o oitavo maior setor que arrecada impostos no país e por isso ainda acredito que conseguiremos chegar a um entendimento e reverter essa situação”.
Histórico da liberação ou restrição de armas no país
Em 1999 foi editado o Estatuto do Desarmamento, que viria a ser sancionado em 2003. O estatuto dificultou a compra e o porte de armas no país e estabeleceu penas mais duras para o porte e a posse ilegal. Para adquirir uma arma de fogo a pessoa precisaria, além de comprovar a necessidade, apresentar documentos pessoais, atestado de antecedentes criminais e provar estar apto psicologicamente.
Um referendo em 2005 questionou a população sobre a venda de armas e 63% dos brasileiros votaram a favor do comércio. Não houve mais mudanças significativas no Estatuto do Desarmamento após isso. A partir de 2019, o governo federal emitiu mais de 40 normas que flexibilizaram o acesso às armas de fogo, entre decretos e atos normativos. O número delas nas mãos do CACs, que antes era de 300 mil, chegou a mais de um milhão, um crescimento de pelo menos 187% em relação a gestão anterior a 2018.
A flexibilização das regras tanto para a posse quanto para o porte de armas, ampliou o número de categorias profissionais com direito ao porte e reduziu a idade mínima de 25 para 21 anos, além de afrouxar a necessidade de comprovação de necessidade. Ainda ampliou o acesso às munições, aumentou a validade do registro das armas de cinco para 10 anos e autorizou a instalação de lojas de armas em aeroportos.
A nova regulamentação surgida com o decreto federal nº 11.615/2023 suspendeu novos registros de armas por caçadores, atiradores, colecionadores (CACs) e particulares. Também reduziu os limites para compra de armas e munição de uso permitido, suspendeu novos registros de clubes e escolas de tiro e criou um grupo de trabalho para debater uma nova regulamentação para o Estatuto do Desarmamento, de 2003.
A nova lei prevê que todas as armas compradas desde maio de 2019 devem ser recadastradas. O limite para CACs, que chegou a ser de cinco armas, foi diminuído para três, e será necessário comprovar a efetiva necessidade do porte de armas. O porte de armas se difere da posse de armas, por permitir que o cidadão circule com a arma, enquanto a posse permite apenas tê-las guardadas em casa ou no local de trabalho.
Da ALEP