A natureza como estratégia para restaurar a baía mais simbólica do Brasil
Por Thiago Piazzetta Valente
A Baía de Guanabara é um patrimônio do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Essa região hidrográfica abriga mais de 7 milhões de habitantes em 17 municípios; uma área terrestre de cerca de 481 mil hectares – o equivalente a quase quatro vezes o tamanho do município do Rio de Janeiro –, além da área sob influência marinha, com cerca de 292 mil hectares. A bacia hidrográfica, que vai muito além do espelho d’água que envolve o Pão de Açúcar, ocupa desde áreas urbanas intensamente habitadas até zonas costeiras e ambientes rurais que protegem ecossistemas naturais, como as florestas, manguezais e restingas, representativos da Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados no Brasil.
Recente estudo publicado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) sobre a condição atual e as oportunidades para a recuperação dos principais mananciais do estado do Rio de Janeiro aponta que florestas e outros ecossistemas naturais ocupam 36% da região hidrográfica da Baía de Guanabara. Há, portanto, um ativo importante do capital natural a ser conservado, considerando os relevantes serviços ecossistêmicos fornecidos ao ser humano. Importante notar que essas áreas vêm sendo ameaçadas pela urbanização acelerada e a degradação do uso do solo, causada por atividades como a agropecuária convencional com baixo nível tecnológico.
O mesmo estudo aponta a necessidade de recuperação de cerca de 40 mil hectares das áreas naturais e dos processos ecológicos que foram perdidos. Essa restauração poderá contribuir estrategicamente para a segurança hídrica e resiliência climática do território. Conforme dados do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a região deve ser afetada por fenômenos climáticos extremos provocados pelo aumento da temperatura e da umidade, potencializando enchentes e deslizamentos, além de os municípios costeiros ficarem expostos a ressacas mais frequentes.
Diante desse cenário desafiador, todos os níveis de governo em cooperação com os atores sociais locais, inclusive os setores empresariais, precisam colocar em pauta os investimentos em infraestrutura verde com foco na manutenção, recuperação e gestão dos ecossistemas naturais e manejados para ampliar a resiliência hídrica e climática nos municípios da Baía de Guanabara.
As chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN) representam um caminho natural para superar os desafios. Usar florestas como infraestrutura para a segurança hídrica, indo além das tubulações e estações de tratamento de água, e manter serviços essenciais naturais para agricultura, como a polinização, são exemplos de como SBN podem promover a conservação e recuperação dos ecossistemas naturais como solução para os desafios mais relevantes do território.
Mas colocar em prática essas soluções exige grande esforço coletivo, com um nível avançado de cooperação multissetorial. Para que isso seja possível, é importante criar espaços de diálogo e de cocriação de estratégias que ajudem a construir uma visão comum de impacto positivo para o território, amparada por estruturas de governança que apoiem na longevidade desse trabalho em rede, em especial nos períodos de transição de governos nas diferentes esferas.
Redes de cooperação têm se mostrado muito efetivas para catalisar ações que geram um impacto concreto, em especial, por permitir o fluxo comum de recursos financeiros integrados e “pacientes” que apoiam em ações estruturantes e na execução, no monitoramento e na comunicação de resultados de ações multiatores, orientadas por um propósito e governança comum.
Em conjunto com a restauração devem ser construídas capacidades para superar os principais desafios socioeconômicos, envolvendo os setores público, privado e o terceiro setor. Aqui vale destacar ações que apoiem a criação de ecossistemas empreendedores, que despertem todo o potencial para a geração de negócios sustentáveis na Baía de Guanabara, criando empregos de qualidade e mais renda para a população.
Um mapeamento realizado pela Fundação Grupo Boticário e parceiros com cerca de 70 negócios da região identificou que mais de 70% das empresas ainda não haviam passado por um programa de aceleração, e cerca de 60% não tinham de fato um modelo de negócio desenhado, o que impacta diretamente na sustentabilidade financeira. O estudo confirma a necessidade de ações estruturantes, como programas de aceleração e incubação que possam alavancar o ecossistema empreendedor e com isso promover cadeias produtivas sustentáveis como a pesca, a agricultura e o turismo, que são algumas das aptidões desse importante território.
Considerar a natureza como um ativo para os 17 municípios da região, buscando diversas soluções para os desafios sociais e econômicos, portanto, é um caminho para gerar conhecimento, estabelecer conexões, unir forças e encontrar espaços de convergência para promover um impacto positivo e concreto para o futuro da Baía de Guanabara, servindo de exemplo ao Brasil e ao mundo.
Thiago Piazzetta Valente é especialista em Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da secretaria executiva do Movimento Viva Água na Baía de Guanabara
Comentários estão fechados.