Estelionato sentimental: quando o amor é que paga a conta

Por Maísa Nodari*

A necessidade de compartilhar a vida é inerente à nossa condição humana. Ainda hoje, mesmo após tantas transformações sociais, a maioria dos arranjos familiares se funda no amor e nas relações de afeto. A partir do momento em que duas pessoas se conhecem e se reconhecem como possíveis parceiras de vida, as expectativas de comunhão eterna de planos e sonhos surgem e, muitas vezes, culminam no casamento e constituição, a partir dele, de uma família. No entanto, nem sempre é isso que acontece e as frustrações nos relacionamentos acabam afetando gravemente as pessoas envolvidas.

Nesse sentido, uma nova onda de más intenções tem ganhado visibilidade na mídia e nos tribunais: é o chamado estelionato sentimental. Este fenômeno, que ainda não tem previsão legal como crime em específico no Brasil, surge quando, apesar dos sentimentos válidos de uma das pessoas envolvidas na relação, a outra apenas tem pretensão de usá-la como uma espécie de caixa-eletrônico. Parece estranho, mas é exatamente assim que acontece: uma pessoa estuda previamente a outra, analisa as suas carências afetivas, observa seu círculo social e, com maior enfoque, a sua condição financeira. A partir de então, estrategicamente, o estelionatário aproxima-se desta vítima a fim de ganhar sua confiança para o início de um relacionamento que, na verdade, só existe na expectativa dela. Estes namoros, embora intensos, costumam não ser públicos, até porque, logicamente, o próprio agente mal-intencionado não pretende estreitar laços com a família ou círculo de amizades da vítima a fim de viabilizar o seu intuito lucrativo.

A partir do estreitamento dos laços afetivos, o golpista inicia a prática de seu projeto meticulosamente pensado por meio da solicitação de empréstimos, sugestionamento de presentes de alto valor econômico, custeio de despesas com viagens, e, em alguns casos, até mesmo a exigência, sempre sutil, de cartão de crédito vinculado ao da vítima. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, estima-se que, em 2022, houve um aumento de 70% dos casos de estelionato afetivo em nosso país, muito embora estes dados sejam incipientes, haja vista que a maioria dessas situações não chega a ser noticiada às autoridades policiais.

Diante desta realidade tão alarmante, em 4 de agosto de 2022 a Câmara dos Deputados aprovou parte do projeto de Lei n. 4229/15 a fim de acrescentar o chamado estelionato emocional na parte do Código Penal que já delimita o crime de estelionato, aumentando a pena para situações em que o golpe é praticado com promessa de relações amorosas, podendo chegar a seis anos de prisão inclusive com possibilidade de triplicar a pena se a vítima for pessoa idosa ou vulnerável e, ainda, aumento de metade até um terço se a vítima teve prejuízos vultuosos. Este projeto ainda demanda aprovação do Senado Federal e sanção presidencial para se tornar lei. Hoje, o que tem surgido nos tribunais brasileiros são ações objetivando indenizações por dano moral, além da devolução dos valores relativos ao prejuízo financeiro da vítima. Caminhamos a passos lentos, mas com expectativa de que em breve tenhamos maiores possibilidades de resposta estatal adequada a quem faz o amor pagar a conta.

Maísa Nodari é advogada, mestre em Ciências Sociais e professora do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Câmpus Toledo.

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