Fraternidade e a fome

Dom Adelar Baruffi, arcebispo de Cascavel

 A grande novidade é que o texto-base da Campanha da Fraternidade de 2023, vem com um texto bíblico como sua origem e inspiração. Jesus é sensível e faz acontecer a multiplicação dos pães (cf. Mt 14,13-21). A partir do escrito bíblico, da multiplicação dos pães e peixes, são propostos outros capítulos. O primeiro “na fonte da Palavra”; o segundo “ver a realidade da fome”; o terceiro, “iluminar com a luz da Palavra; e o quarto trata de “agir para transformar a realidade da fome”.

Seu objetivo geral: “Sensibilizar a sociedade e a Igreja para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por uma multidão de irmãos e irmãs, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo” (Texto-Base, p. 9). A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) propõe para este ano o tema: “Fraternidade e Fome”, com o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Aliás, já é a terceira vez que se trata desta realidade da fome numa Campanha da Fraternidade: 1975, 1985 e 2023.  “A Campanha da Fraternidade não é uma campanha sobre a Quaresma e seus exercícios de piedade já tão vividos pelo povo cristão, a saber, oração, jejum e esmola, caridade, Via-Sacra, retiro, confissão e tantos outros” (Texto-Base, p. 13).

A história verídica de Jesus Cristo nos é contada e relatada: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). No coração de Jesus, nunca habitou a indiferença por ninguém. Ele sempre teve compaixão e misericórdia, todos os dias. Jesus se sensibiliza e pede que os seus discípulos façam o mesmo. É isto que devemos fazer. Não é a venda de uma pequena quantia de cinco pães e dois peixes, conforme os discípulos queriam fazer: “Só temos cinco pães e dois peixes” (Mt 14,17). Mas, o caminho é outro. A questão é reunir o povo, por volta de cinquenta pessoas, e distribuir: “E os discípulos distribuíram às multidões” (Mt 14,19). Temos algo para comer juntos: “Todos comeram e ficaram saciados, e dos pedaços que sobraram recolheram ainda doze cestos cheios” (Mt 14, 20). Ainda sobraram doze cestos cheios de comida. Vejam o exemplo deixado por Jesus na multiplicação dos pães e peixes!

“Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas uma vergonha” (Francisco, 2020). A fome não é bem acolhida, porque ela aponta direta e imediatamente os princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja (DSI), pois Deus nos coloca como seus colaboradores na ordem da criação. A fome é um contratestemunho que não reconhece de forma prática a dignidade integral das pessoas. A Quaresma que na Quarta-feira de Cinzas iniciamos, “ela não pode ser apenas uma atitude individualista, uma vez que a vontade de Deus, desde a criação, se manifesta como projeto de vida a um povo eleito, nutrido, formado e enviado pelo próprio Deus” (Texto-Base, p. 12).

“Temos, sem dúvida, fome de Deus. Desejamos estar com Ele e poder participar de seu amor e de sua misericórdia. Temos fome de paz, fraternidade, verdade, concórdia e tudo mais que efetivamente nos humaniza” (Texto-Base, Dom Joel Portela, p.6). A fome é um desafio social, não só pessoal. É um desafio que nos toca profundamente em nossa vida. Vocês já pensaram passar um dia sem comer nada!? A fome de uma só pessoa, nos torna a todos nós pecadores! “A fome é um dos resultados mais cruéis da desigualdade” (Texto-Base, Dom Joel Portela, p. 6).

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