O relatório do IPCC e a raiva de António Guterres

Por Norman de Paula Arruda Filho

O Relatório do IPCC é um atlas do sofrimento humano. É dessa forma que António Guterres, secretário Geral da Organização das Nações Unidas, classifica o novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. No discurso, Guterres abandona o tom ameno do “call to action” e dá uma verdadeira bronca mundial.

O Relatório do IPCC 2022 apresenta os resultados de anos de promessas vazias, tanto pelo mercado quanto pelos governos. O despertar tardio mundial para a crise climática claramente tem falhado em sua missão. Entre os resultados mais perturbadores estão os impactos climáticos: quase metade da humanidade está vivendo em uma zona de perigo por causa das secas devastadoras, inundações recordes e a insegurança hídrica. Situações que ameaçam a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas.

Segundo o reporte, mesmo se passássemos por um rápido processo de descarbonização, “os gases de efeito estufa que já estão na atmosfera e as atuais tendências de emissões ainda terão impactos climáticos significativos até 2040”. E isso significa que as mudanças climáticas poderão colocar aproximadamente 100 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema. Vocês querem um exemplo? Mesmo se atingirmos a meta global do Acordo de Paris, o aumento limite de 1,5º C, teremos o desaparecimento de geleiras por completo em todo o mundo; um adicional de 350 milhões de pessoas enfrentarão escassez de água até 2030 e até 14% das espécies terrestres estarão em risco de extinção.

Esses são alguns motivos pelos quais o secretário-geral da ONU está furioso. Guterres fala que a ausência de liderança é criminosa e que os maiores poluidores do mundo são os culpados pelo incêndio de nossa única resistência. Ele cita que, ano após ano, a ciência nos mostra que é necessário cortar emissões em 45% até 2030 e alcançar emissão zero até 2050, porém estima-se um aumento de 14% nas emissões globais até o fim dessa década. Em seu discurso, ele foca na responsabilização do setor privado que financia o carvão, alerta os gigantes do petróleo e gás e clama pela transição energética para um futuro de energias renováveis, como o “único caminho para garantir a segurança energética, o acesso universal e os empregos verdes de que o mundo precisa”. O que é necessário.

Comprometimento, financiamento e ação. Concordo com Guterres quando indica que o G20 precisa tomar a dianteira ou a humanidade vai pagar um preço ainda mais trágico. A janela de oportunidades para a ação climática está fechando. É necessário um pacto entre governos, setor privado e sociedade civil com um planejamento para implementação de ações aplicáveis. Mudar de rumo, como temos visto, não é fácil, ainda mais por esbarrar em interesses econômicos tão diversos da agenda global. A grande questão é: se não houver o compromisso, viveremos tragédias cada vez mais impactantes e recorrentes. Neste processo, a educação executiva é uma peça fundamental. Quando despertamos no líder a consciência para o desenvolvimento sustentável e o impacto da sua organização nos indicadores ESG (meio ambiente, social e de governança), promovemos a mudança do micro para o macro.

Do chamado para década da ação, lá se foram dois anos. Em novembro será realizada no Egito a COP 27, espero que os resultados das discussões sejam muito mais aplicáveis do que nas outras Cúpulas. Queria terminar esse artigo com um discurso otimista, mas decido seguir o tom do discurso de António Guterres. Estamos com raiva. E quero que você fique também, porque agora é hora de transformar essa fúria em ação para gerar impacto positivo na ação climática.

Norman de Paula Arruda Filho é Presidente do ISAE Escola de Negócios, conveniada à Fundação Getulio Vargas, e membro do Comitê de Integridade da Rede Brasil do Pacto Global da ONU.

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