A regra de não ter regras
Escutava o meu amigo que dizia não sonhar com a riqueza, entretanto nas suas palavras sempre aparecia o desejo de ganhar milhões. Ele argumentava que o seu desejo era o de poder ajudar os outros. Da mesma forma, entre uma fala e outra aparecia a vontade de ser dono de um iate para desfrutar de uma pescaria em alto mar ou de possuir um jatinho particular para se deslocar mais rapidamente entre as suas diferentes propriedades que almejava ter. Assim, os anos se passaram e ele conseguiu acumular um patrimônio tamanho que permite que ele tenha tudo o que dinheiro pode comprar. E aquele desejo de fazer o bem ajudando aos outros? E o sonho de diminuir a desigualdade ao distribuir o que acumulou? Bem, creio que esse desejo ficou lá nos arroubos da juventude, período em que mantínhamos nossas intermináveis conversas sobre o futuro. Hoje estamos acima dos cinquenta anos e o futuro que imaginávamos é o nosso presente. Na semana passada, encontrei-o virtualmente em meio a pandemia. Ele dizia:
– Você deveria ter estado conosco. A festa não terminava…
E contava os detalhes de mais uma das incontáveis festas organizadas por ele e seus amigos. Sempre que nos encontramos a conversa é alegre e divertida, porque a amizade continua. Porém, a divergência entre o sonhado e o realizado é enorme. Os comentários aproximam o meu amigo do desregramento comportamental no qual muitas pessoas sucumbem. A regra é não ter regras. Festas? Excessos diários são a regra. Consumismo? Ter é a norma. Relacionamentos? Uma lista interminável de inícios, meios e finais. Escutava-o. A necessidade de compartilhar era gigante. Não bastava fazer a festa, era preciso anunciar. Não era suficiente consumir, era essencial exibir. Não satisfazia conquistar, havia uma necessidade de arrebanhar. Por trás desse comportamento, quase compulsivo, se manifesta a volúpia, a luxúria e o desregramento. Uma busca desenfreada por novos prazeres sensitivos ligados a uma necessidade interna não identificada. Tais comportamentos também se manifestam no trabalho, nos estudos, nos esportes e em qualquer atividade que leve a buscar um prazer exagerado. Do outro lado da volúpia, da luxúria ou do desregramento estão a tristeza, a castidade e o controle, que por si só também não são qualidades. Entre a volúpia e a tristeza, entre a luxúria e a castidade e entre o desregramento e o excesso de controle se encontra a fruição. A fruição, que é a ação ou o ato de fruir, de aproveitar de usufruir uma oportunidade de forma consciente e prazerosa, representa o equilíbrio. Entendo que é saudável e humano festejar de maneira a celebrar o privilégio da vida. Parece-me importante consumir para atender as próprias necessidades, alimentando a interdependência benéfica com os sistemas de produção e o ambiente. Creio que é fundamental estreitar os relacionamentos com base na autenticidade e na respeitabilidade. Para mim, celebrar, consumir com consciência e estreitar as relações é o equilíbrio que representa a capacidade de fruir.
Enfim, o meu amigo que tem a disposição tudo o que o dinheiro pode comprar, hoje, depois de tomar meio litro do melhor uísque, vai dormir sozinho. A regra de não ter regras fez com que mais um de seus relacionamentos acabasse. Eu o conheço e acredito que a beleza que ele tem no seu interior ainda está lá. Tenho a certeza de que a realização daqueles sonhos da juventude ainda o fariam feliz. Talvez, falte-lhe a coragem de regar o seu amor-próprio para florescer a beleza da capacidade de saber fruir.
Moacir Rauber
Blog: www.facetas.com.br
E-mail: mjrauber@gmail.com
Home: www.olhemaisumavez.com.br
Comentários estão fechados.