Caso ou compro uma bicicleta?
O ir e vir para o trabalho era uma necessidade. A distância não era grande, mas fazer o trajeto a pé todos os dias demandaria muito tempo. A opção para usar o transporte coletivo não se aplicava. Usar aplicativo de viagem seria muito caro. A solução seria uma bicicleta que uniria o útil ao agradável: fazer o percurso num tempo razoável e uma atividade física. Porém, faltava o dinheiro para comprá-la. As novas estavam caríssimas e as usadas não eram baratas. Finalmente, um amigo disse que tinha uma e que a emprestaria por tempo indeterminado, praticamente um presente. Solução perfeita para ela que tinha como prioridade economizar dinheiro para realizar o sonho de viajar para conhecer outros lugares e, quem sabe, outros países. Assim, cada centavo economizado a aproximaria desse objetivo. Depois de um mês com a bicicleta presenteada, um colega de trabalho ofereceu-lhe uma bicicleta por um preço razoável. Para ela, parecia um bom negócio. Chegou em casa e comentou com a mãe que não se mostrou muito animada com a ideia. A filha contra-argumentou:
– Está barata, mãe. A bicicleta é boa!
– É que você tem uma bicicleta.
– Mas não é minha…
A conversa seguiu e se transformou numa acalorada discussão em que se podia identificar ressentimento e/ou enfado na posição da filha. Eu observava buscando entender a situação. Quais os fatos? Qual era a necessidade da filha que talvez não estivesse sendo atendida? Os fatos são percebidos como algo observável e que podem ser interpretados de igual forma por qualquer pessoa que acompanhe a descrição, uma vez que não há juízo de valor na observação. Dessa forma, pude observar que a filha tinha uma bicicleta para ir e vir do trabalho que atendia a necessidade de movimento. O movimento era uma necessidade e a bicicleta era a estratégia que fazia com que ela fosse alcançada. Por isso, é importante diferenciar as estratégias das necessidades, porque a confusão entre uma e outra pode desviar a pessoa daquilo que realmente busca. Assim, o acrônimo PRATO faz uma diferenciação didática daquilo que não é necessidade. O “P” se refere a pessoas que não são necessidades, a companhia pode ser. O “R” se reporta a regiões ou lugares que não são necessidades, uma casa pode ser. O “A” se dirige as ações e atividades que não são necessidades, a saúde decorrente do exercício pode ser. O “T” alude ao tempo que não é uma necessidade, a conexão pela presença pode ser. O “O” tem a ver com objetos, como uma bicicleta, que não são necessidades, o movimento pode ser. Desse modo, se a necessidade de movimento da filha estava sendo atendida, por que ela se mostrava ressentida e/ou enfadada? Esses possíveis sentimentos, ocultariam alguma necessidade de aceitação e/ou de reconhecimento da filha? Era essa a minha percepção ao presenciar a cena.
“Não sei se caso ou se compro uma bicicleta” parece engraçado, porém traz em si uma verdade profunda: nós não conhecemos as nossas necessidades. Muitas vezes, aquilo que queremos não é o que necessitamos. Dentro da Comunicação Não-Violenta proposta por Marshal isso fica evidente: as (1) observações não fidedignas geram (2) sentimentos equivocados a partir de (3) necessidades mal identificadas que se expressam em (4) pedidos mal formulados que terminam em conflitos. Portanto, identificar as necessidades envolvidas em uma situação e a sua prioridade vai contribuir para que cada um saiba se casa ou se compra uma bicicleta.
E a filha, compra ou não a bicicleta? E você, quais as suas necessidades?
Moacir Rauber
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