O que é real?

Quando o trabalho o afasta da zona de conforto, há uma tendência a que as emoções aflorem com mais facilidade. É o momento de encontrar o equilíbrio para ver as alternativas. Nem sempre é fácil. Organizar um evento com a presença de pessoas com as quais você se compromete a entregar um conteúdo diferenciado está fora da zona de conforto de quase todos. Para mim era um desafio tremendo começar uma oficina com mais de trinta inscritos de diferentes regiões brasileiras, idades variadas e formações múltiplas, agrupando pessoas únicas e singulares.

Tratar de temas como a espiritualidade, a positividade e a não-violência no ambiente organizacional contribuíam para que o conforto desse lugar a inquietação. O ambiente virtual com a dependência tecnológica de computador, câmera, microfone, aplicativo de transmissão e a internet completava o cenário. Aquilo que estava no meu controle, acreditava, estava feito. O conteúdo estava preparado e organizado com a sequência de atividades.

O horário se aproximava e eu estava usando o computador na bateria. Queria deixá-lo bem carregado para a oficina, assim fui conectá-lo na tomada. Pareceu-me um pouco mais duro e forcei um pouco. Foi o suficiente para ouvir um pequeno estalido que indicava a quebra de algo. A bateria, que estava quase descarregada, não carregava e não teria energia para toda a oficina. Assustei-me. Pensei num plano B. Passei na loja de computadores perto de casa, mas ela estava fechada. Peguei outro computador e transferi para ele os arquivos. “Tudo certo. Que alívio!”, pensei.

A oficina começou num bate-papo informal e em seguida começamos as atividades. Os comandos diferentes do computador e um power point de outra versão me deixaram um pouco nervoso. Não conseguia compartilhar a imagem como queria. Ajuda daqui e dali dos participantes e a oficina engrenou perfeitamente. De repente, do nada, o meu computador simplesmente desligou. A facilitação dessa parte da oficina estava sob minha responsabilidade. E agora? O que fazer?

Provavelmente, muitos de vocês passaram por situações com imprevistos. Da perspectiva da inteligência positiva, esse é o momento em que os sabotadores se manifestam. Ao pensar na comunicação não-violenta a probabilidade de que a pessoa seja dura consigo mesma é imensa. Os meus sabotadores começavam a me levar para um nível ansiedade muito alto. Tornei-me agressivo comigo.

O pensamento de que tinha tudo sob controle desapareceu, deixando o controlador, um dos meus sabotadores, descontrolado. O sabotador principal que critica a si mesmo, os outros e as situações, rapidamente se uniu a ele. “Eu te avisei” dizia ele. Levava-me a pensar, “sem a minha presença para comandar a facilitação a oficina vai ser um desastre”.

Fiquei com raiva de mim e culpei-me pelo descuido. Culpei a situação ao não entender como poderia sair do meu controle algo que estava bem planejado com planos A e B. Os meus sabotadores me levavam a entrar em desespero! Nesse momento, em meio ao turbilhão de pensamentos agressivos dos sabotadores, veio-me um ditado à mente: “O homem propõe e Deus dispõe”. Um pouco da espiritualidade que nos traz sabedoria. Foi uma micro pausa que me permitiu retomar o contato com a realidade. O que estava acontecendo de fato? Nada que já não tivesse acontecido antes comigo ou com outras pessoas. O que eu poderia fazer? Reiniciar o computador, que demoraria um pouco, e conversar com as pessoas a partir do notebook de minha esposa que participava da oficina. Tudo seguia na sua normalidade.

Enfim, entendo que a espiritualidade nos mostra que tudo tem uma razão para acontecer. Não se trata de conformismo, mas sim de humildade. Tive que reconhecer que nem tudo está no meu controle, assim pude diminuir o controlador, meu sabotador associado. Tive que admitir que a vida segue sem a minha presença, porque a oficina seguiu intermediada pelos demais. Como isso aconteceu? A inspiração vinda da espiritualidade me pôs em contato com a realidade, fazendo com que diminuísse a violência interior que, muitas vezes, se reflete no exterior. Enfim, tive que revelar que a minha esposa estava na oficina. Isso é real!

Moacir Rauber

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