Por que não te calas?
Outro dia, tratávamos dos desafios diários enfrentados por muitos: a falta de rotina, as agendas superlotadas e a super exposição aos estímulos externos. Como falar de qualidade de vida se não conseguimos manter uma rotina diária? Qual a estratégia para reordenar as agendas? O que fazer para escolher os estímulos a que alguém vai se expor? É uma tarefa árdua, uma vez que a exposição aos estímulos tecnológicos é transversal às pessoas nos seus diferentes papéis sociais, levando-nos a não ter rotina, dando-nos, muitas vezes, a impressão de que não se tem tempo para nada. O que fazer? O meu amigo Rosan deu uma sugestão a partir de um fato inusitado ocorrido entre dois chefes de estado na conferência ibero-americana de 2007. Devido às constantes interrupções durante a fala dos demais, em um determinado momento, o rei Juan Carlos interrompeu o então presidente Venezuelano Hugo Chavez e disse:
– Por que não te calas?
O silêncio foi instantâneo. A agenda congelou, a rotina deixou de existir e o único estímulo que havia era o mal-estar pela força das palavras. Esse mal-estar pode ser um bom sinal da importância do silêncio. “Por que não te calas” reflete uma necessidade humana básica de silenciar para se escutar, assim como para escutar o outro, permitindo que se converse consigo mesmo e com o outro.
Desse modo, ficar em silêncio pode gerar um mal-estar inicial, por isso, acredito que a maioria das pessoas quase nunca está no silêncio. Quando não falam ouvem qualquer coisa para não escutar, primeiramente a si mesmo. Entenda-se a diferença entre ouvir e escutar. Enquanto ouvir é o processo de reconhecer sons provenientes do sentido da audição, escutar é uma ação consciente de tentar entender o sentido e o significado dos sons.
Para isso é preciso calar e se manter em silêncio. Só assim para escutar muito mais do que ouvir. Com o silêncio exterior e, principalmente, a escolha de se manter em silêncio começa o processo da escuta. É na escuta que está a atenção plena e a presença. É a escuta que nos traz para o mundo real, levando-nos a observar sem julgar. É na escuta que registramos sentimentos e identificamos as necessidades. É na escuta que não reagimos e escolhemos agir em conformidade com as intenções.
Enfim, é na escuta que reconhecemos os nossos sabotadores e resgatamos o poder do sábio que há em cada um de nós. Para escutar o outro é preciso de uma pausa. A meditação é uma pausa que nos permite a auto escuta, assim como no retiro se pratica a pausa que nos leva a que nos escutemos. Com a escuta começamos a nos relacionar bem conosco o que promove boas relações bem com os demais. Com a habilidade da escuta desenvolvida falamos menos, nos conectamos mais e somos produtivos. Portanto, a escuta é uma competência de resultados que alinha as ações com as intenções.
Não conheço o Rei Juan Carlos e nem conheci Hugo Chavez, porém a expressão “por que não te calas?” provoca diferentes reflexões. Algumas delas nos remetem a importância do silêncio. Não há julgamento na descrição do fato, apenas cabe ressaltar a importância da pausa presente na escuta. Nesse processo, acredito que se pode observar mais e julgar menos. Que se pode desenvolver a capacidade de registrar os sentimentos meus e dos envolvidos. Que se consegue identificar as necessidades minhas e as do outro. Portanto, com a escuta se aprende a expressar de forma a quebra do silêncio seja melhor do que o silêncio.
Desse modo, calar-se permite que se estabeleça uma rotina com qualidade de vida, que se ordene a agenda e que se escolha os estímulos a que vai se expor. Enfim, conseguir comportar-se dessa maneira não é fácil, tratando-se de um desafio tremendo. Entretanto, acredito que a pausa que nos permite escutar faz com se diminuam alguns dos nossos sabotadores deixando o sábio florescer.
Um mundo com sabedoria é melhor!
Moacir Rauber
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