Você não precisa perdoar a ninguém…

 A conversa se repetia. O filho já havia ouvido o seu pai pela enésima vez contando a história de que eles eram mais do que irmãos. Eles compartilhavam tudo, desde as dores e os amores; os fracassos e as conquistas; as tristezas e as alegrias, assim como os medos e as convicções. Era uma amizade que se estendia ao longo dos anos. Quando o filho de um adoecia era o outro que cuidava daqueles que ficavam em casa. Quando se precisava de um recurso urgente era o amigo a quem cada um deles recorria, antes mesmo de qualquer outro familiar. Porém, ouve uma noite em que tiveram uma divergência. O pai dizia para o filho:

– Eu não o perdoo. Ele não poderia ter dito aquilo pra mim. Ele me acusou… e dizia outra vez o motivo.

Para quem escutava, o motivo parecia irrelevante. Entretanto, para ele era um ponto de divergência que o mantinha preso ao rompimento de uma amizade que dizia ser importante. Ele escolhia não perdoar. Considere-se aqui perdoar como o ato de desculpar, absolver ou remir de uma ofensa. É importante ter em mente que se sentir ofendido sequer é um sentimento. Como não é um sentimento se eu me sinto ofendido? Há uma diferença entre sentimentos e falsos sentimentos, porque os sentimentos vêm de dentro, enquanto os falsos sentimentos vêm de fora. Uma suposta ofensa vem de onde? Do outro. Assim, quando entendo que alguém me ofendeu posso ficar com raiva ou constrangido, que vem de dentro, ao acreditar que não fui respeitado ou valorizado. Dessa forma, o meu entendimento de ter sido ofendido é um julgamento sobre como o outro se comportou que não está de acordo com aquilo que eu acreditava ser o correto. Assim, eu faço um julgamento do outro ao me sentir ofendido. A raiva, por exemplo, é minha e é sobre ela que devo trabalhar. A raiva se origina da emoção natural em qualquer ser humano, sendo rápida e inevitável. Porém, deixá-la se transformar em sentimento a partir de entender que o outro me ofendeu é uma escolha. Daí vem o rancor e o ódio que são sentimentos relacionados a eventos externos que produzem malefícios internos. É o tradicional tomar veneno e desejar que o outro morra. A minha escolha não se refere a perdoar, ela antecede a isso. A minha opção se trata de não julgar, que está presente no primeiro passo da Comunicação Não-Violenta (Marshal Rosenberg): observar sem acrescentar nenhuma avaliação ou julgamento sobre aquilo que vemos, ouvimos ou tocamos. No momento em que não julgamos damos um enorme passo a que não necessitemos perdoar. Diminuímos os sabotadores e resgatamos o sábio com o primeiro dos seus poderes: a empatia (Inteligência Positiva de Shirzad Chamine). Aqui há um encontro entre a Comunicação Não-Violenta como ferramenta, a Inteligência Positiva como conhecimento e a Espiritualidade como opção de fazer com que as Ferramentas criadas pelo Conhecimento sejam usadas com Sabedoria. A Espiritualidade regata o Sábio de cada um que não perdoa, porque não julga.

Por fim, o pai relembrava a suposta ofensa, trazia boas lembranças do seu antigo amigo e escolhia seguir a sua vida sem reatar a amizade. Por quê? Porque ele escolhia julgar o amigo e, consequentemente, não o perdoar. “Observar sem avaliar é a forma mais elevada de inteligência humana” (J. Krishnamurti) é talvez um dos nossos maiores desafios como seres relacionais. Levar essa postura para o ambiente organizacional permite que todas as situações se convertam em oportunidades. Seremos menos rápidos e mais brandos ao julgar o outro e a nós mesmos. Seremos menos críticos das situações que fogem do nosso controle. Qualificaremos e sentenciaremos com menos facilidade, não permitindo que nos sintamos ofendidos pelos outros, pelas situações e por nós mesmos. Ao julgarmos menos precisaremos perdoar menos. Portanto, Jesus não precisou perdoar ninguém, simplesmente porque Ele viveu sem julgar o outro, mesmo com sua natureza humana. Inclusive, na cruz Ele dizia, “”Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lucas, 23-34). Isso foi sublime. Isso é ser Sábio!

Moacir Rauber

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