Com 50% do País vacinado, misto de alívio e emoção
Os registros do consórcio de veículos de imprensa, que completa 500 dias de trabalho colaborativo, mostram que 107.407.959 pessoas já tomaram as duas doses da vacina, ou a dose única da Jansen. Já os imunizados parcialmente são 152.450.710, o equivalente a 71,47% da população. Sem contar os mais de 5 milhões que tomaram a dose de reforço. Todo esse avanço na imunização nacional deixa para trás um período de negacionismo científico e discursos contra a eficácia da vacina – apesar de eventos como o de ontem em Porto Alegre, quando um grupo antivacina suspendeu uma sessão legislativa.
Se no “novo normal” as aulas eram virtuais, os shows ocorriam em formato de lives e as reuniões aconteciam com cada um em sua casa, agora a vida se desenha de uma maneira que já conhecemos melhor. Aos poucos o velho cotidiano está voltando. “Eu me sinto, até como personalidade, como influenciadora, honrada de lembrar as pessoas do avanço na nossa civilização que foi a vacina, gente! E é nítido essa queda de casos, a gente está vendo a vacina funcionar, graças a Deus. Então é óbvio que precisamos de vacina”, disse a atriz Marisa Orth, lembrando que as pessoas estão conseguindo ir ao teatro com o comprovante de imunização. “É um prazer enorme estar voltando agora. Tem um gostinho, sim, de resistência, de reencontro, de valorização das coisas do dia a dia, que acho que todo mundo passou por isso. Então, para o teatro, acho que é um momento de luxo, de celebração, de amor mesmo.”
A classe artística sofreu um impacto grande no período mais duro da pandemia. Shows e eventos foram cancelados e os próprios artistas tiveram de se reinventar. Ney Matogrosso, de 80 anos, fez no início do mês o primeiro grande show após o período de isolamento social provocado pela covid-19. Para ele, foi uma apresentação simbólica e marcante. “Foi um dia especial e eu fiquei muito feliz por estar voltando, estava me sentindo muito bem ali no palco. Ninguém podia se levantar, chegar perto do palco ou tirar a máscara. E isso foi respeitado. Foi a primeira vez em que não recebi pessoas no camarim depois de uma apresentação. Meio estranho isso, mas não dava para receber mesmo”, contou.
O cantor revela que esperava que esse período de distanciamento durasse até mais tempo, mas festejou o retorno aos palcos seguindo todos os protocolos. “É bom sentir a vida voltando. Já tenho agenda de shows até o Rock in Rio Lisboa, em junho de 2022. Tudo o que estava paralisado está sendo retomado. Com cuidado, mas está. Ter me vacinado foi importantíssimo. Se não tivesse feito isso, não estaria vivendo essa volta”, explica.
No dia que o Brasil superou a barreira de 50% das pessoas completamente vacinadas, o Estadão visitou a UBS Butantã, em São Paulo, para conversar com as pessoas que estavam buscando a imunização. João Daniel Castro, de 23 anos, e Lucila Ribeiro Jardim, de 22 anos, foram juntos e tomaram a segunda dose. “É um vírus muito cruel, meu avô faleceu em julho por causa dele. Então é muito importante se vacinar para poder voltar à vida normal em breve”, disse, enquanto sua amiga completou: “Quero a minha vida social de volta. Uma tia também morreu de covid. É duro ver as pessoas morrendo por isso”.
O empresário Thiago Tigre e a diarista Rosângela Queiroz também tomaram a segunda dose nesta quarta. Ambos reforçaram que era um gesto mais do que necessário. “Me sinto fazendo o meu dever”, comentou Thiago. A operadora de caixa Filomena Benedito conta que demorou a tomar a segunda dose porque na data que deveria o imunizante estava em falta. “Muitos amigos morreram. Tomar essa vacina me deixa mais tranquila.” A história dela é parecida com a de muitas outras pessoas, que viram de perto a tragédia. Dinilza Azevedo, de 76, aproveitou para tomar a terceira dose, um reforço na imunização. “É muito importante se proteger. Se cada um fizer a sua parte já vai melhorar um pouco.”
Um ponto muito importante do avanço da vacinação foi possibilitar o retorno do ensino presencial nas escolas. Aos 62 anos, o professor Clodoaldo Correia tomou a segunda dose em maio. A maioria das escolas públicas de São Paulo estava parada, mas a dele não. Trabalhador da Escola Estadual Eliza Rachel em Guaianases, zona leste de São Paulo, ele só saia de casa para o trabalho e, quando completou a imunização, sentiu que poderia estar presente na escola com menos riscos. Estar seguro enquanto ensina foi o principal motivo para se vacinar. “O ensino que eu acredito se preocupa com a condição emocional do aluno e olha para a relação entre aluno, escola, família e outros vínculos”, disse.
LINHA DE FRENTE
Em fevereiro deste ano, o médico infectologista Jamal Suleiman tomou a segunda dose. Ele fez parte do primeiro grupo contemplado pela vacina – o de profissionais da saúde – e foi imunizado antes da maioria dos brasileiros, mas, naquele momento, não sentiu o alívio que esperava. A pandemia no Brasil piorava e chegava ao seu momento mais crítico.
Na linha de frente do combate à pandemia no Hospital Emílio Ribas, Suleiman via pessoas e mais pessoas internadas em estado grave a cada dia. O hospital entrou em colapso de leitos de UTI no mesmo mês em que foi vacinado. Pouco tempo depois, Suleiman ainda perdeu para a doença o irmão e a cunhada, que estavam a duas semanas de tomarem o imunizante. “Tomar a vacina naquele momento me deu uma sensação de alívio e frustração. Sabia que a situação era muito grave e, ao mesmo tempo, que a vacina iria mudar a história.”
A janela mais próxima de sua mesa de trabalho dá para uma mureta do necrotério onde familiares esperavam a liberação do corpo das vítimas. Suleiman passou meses assistindo a filas de pessoas e de veículos de funerárias no local – uma cena brutal que não gosta de se recordar. Depois, viu a vacinação avançar e o número de infectados diminuir. Entretanto, continuou recebendo pacientes em estado grave. Oito a cada dez desses, diz, não haviam se vacinado.
O médico continua sem receber visitas em casa, não vai a estabelecimentos fechados, como restaurantes, e usa máscara em todos os lugares, exceto em casa. Pai de duas filhas, ele não as viu até que elas e os maridos estivessem completamente imunizados. “A pandemia não acabou, apesar da vacinação avançar. Daqui a algumas semanas, podemos dizer que isso tudo passou. O momento atual ainda é de preocupação”, concluiu o especialista, lembrando que é importante que a vacinação avance ainda mais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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