Começa julgamento que pode decidir futuro do direito ao aborto nos EUA

Dois meses depois de se negar a intervir, a Suprema Corte dos Estados Unidos está escutando nesta segunda-feira, 1º de novembro, as contestações à lei do Texas que proíbe os abortos depois de seis semanas de gravidez e que não contempla exceções por estupro ou por incesto. Basicamente, os argumentos considerarão se e como a lei do Texas pode ser contestada.

A audiência desta segunda-feira inicia o mês mais dramático para os direitos reprodutivos nos EUA das últimas três décadas. Em 1º de dezembro, o tribunal superior deve deliberar sobre uma lei do Mississippi que proíbe a maioria dos abortos após 15 semanas, fornecendo um potencial caminho para enfraquecer as proteções ao aborto de quase meio século asseguradas pela decisão no caso histórico de Roe versus Wade, em 1973.

Composta de nove integrantes, seis deles de linha conservadora, a mais alta instância do Judiciário americano ouve os argumentos das partes durante duas horas nesta segunda-feira, em um caso acompanhado de perto por todo país por suas implicações humanas e políticas.

Texas, o segundo maior Estado do país, está sendo processado pelo Departamento de Justiça do presidente democrata Joe Biden e por uma coalizão de provedores de serviços de aborto pela promulgação das restrições à interrupção da gravidez que, alegam, são “claramente inconstitucionais”.

O Projeto de Lei 8 do Senado do Texas (SB8) proíbe os abortos após a possibilidade de detecção do batimento cardíaco no útero, o que normalmente acontece por volta das seis semanas. Neste estágio, muitas mulheres nem sabem que estão grávidas.

Leis para restringir o aborto já foram aprovadas em outros Estados governados por republicanos, mas foram anuladas nos tribunais. Essas legislações violavam decisões anteriores da Suprema Corte, garantindo o direito ao aborto até que o feto seja viável fora do útero, o que acontece entre as semanas 22 e 24.

A Lei do Batimento Cardíaco do Texas, como ficou conhecida, se diferencia de outros esforços, ao conceder a qualquer cidadão o direito de processar os médicos que praticam abortos, ou qualquer pessoa que ajude a facilitá-los, uma vez que uma batida do coração tenha sido detectada.

Essas pessoas podem ser recompensadas com US$ 10 mil por iniciar casos que cheguem aos tribunais. Entre as críticas, alega-se que estimula os cidadãos a agirem como vigilantes.

A estrutura da lei do Texas complicou a intervenção do Departamento de Justiça, devido a um princípio chamado “imunidade soberana”, explica Mary Ziegler, professora de Direito Constitucional da Universidade Estadual da Flórida e professora visitante da Universidade de Harvard.

“A 11ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos limita as circunstâncias sob as quais os Estados podem ser processados”, declarou Ziegler à agência France Presse.

Os provedores de serviços de aborto pediram à Suprema Corte que bloqueasse a lei do Texas quando ela entrou em vigor, em 1º de setembro. O tribunal se negou, porém, alegando “questões processuais”.

Biden criticou o tribunal por não bloquear uma lei que viola de forma flagrante o direito constitucional estabelecido em Roe versus Wade, que consagrou o direito legal das mulheres ao aborto.

Temendo sofrer processos potencialmente onerosos, as clínicas no Texas fecharam suas portas, e o número de abortos no Estado caiu para menos da metade: enquanto setembro de 2020 foram registrados 4,3 mil abortos, em setembro deste ano, foram 2,1 mil, de acordo com um estudo da Universidade do Texas.

Sem escolha

A Planned Parenthood, uma das maiores provedoras de atendimento médico feminino no país, enviou ao tribunal um documento legal de 30 páginas com os depoimentos de mulheres e médicos afetados pela lei do Texas.

Uma adolescente de 16 anos, identificada como F.P., disse que não está preparada para ter um bebê, mas talvez não possa pagar pela viagem para outro Estado para um aborto.

Uma mãe solteira identificada como D.O. afirmou que está buscando um aborto, depois que “finalmente escapou” de uma relação abusiva.

Uma paciente, identificada como I.O., tinha 12 anos. “A mãe disse que não podiam viajar para fora do Estado – elas mal conseguiram chegar ao centro de saúde do Texas”, afirma o documento. A menina de 12 anos foi citada ao questionar: “Mãe, foi um acidente. Por que eles estão me obrigando a ficar com ele?”

Amplas consequências

Não há um prazo estabelecido e a Suprema Corte pode tomar uma decisão a qualquer momento depois das alegações orais, mas deve se pronunciar antes de ouvir as alegações contra a lei do Mississippi, em 1º de dezembro.

Pelo menos quatro juízes parecem dispostos a bloquear a lei do Texas: os três liberais na Corte e o presidente do tribunal, John Roberts, que expressou preocupação com a SB8 quando ela surgiu anteriormente na Suprema Corte.

“Agora, a pergunta é: Há um quinto voto?”, resume Steve Vladeck, professor de Direito da Universidade do Texas.

Os críticos da lei alertam para potenciais consequências de longo alcance. Não apenas mais Estados poderiam recorrer a esse mecanismo de fiscalização – que recorre aos cidadãos – para banir o procedimento, como alguns defensores e especialistas do direito ao aborto argumentam que isso pode abrir a porta para a repressão a outras questões controversas, como a posse de armas.

“As apostas são muito altas”, disse Laurie Sobel, uma diretora associada da Fundação da Família Kaiser. Mas em uma breve resposta, o arquiteto da lei argumenta que o argumento da “escada escorregadia” é “sem mérito”. COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

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