COP define as regras, mas luta climática vai além de governos
Na George Square, centro de Glasgow, uma estátua se destaca em meio a um panteão de escoceses ilustres. É a de James Watt, criador da máquina a vapor, que ajudou a desencadear a Revolução Industrial. Watt nasceu na cidadezinha de Greenlock, às margens do Clyde, o rio que corta Glasgow. O Scottish Event Campus, que abrigou a COP-26, a Cúpula do Clima, também está às margens do rio. A grande luta de nossa época é para impedir que o pior legado da Revolução Industrial – o consumo de recursos que dilapida o planeta – destrua a todos. Precisamos evitar que, até 2100, a Terra fique 1,5ºC mais quente do que nos tempos de Watt.
Chefes de Estado, diplomatas e negociadores técnicos se reuniram, como em todas as COPs. A novidade foi a quantidade – nunca vista antes, segundo observadores que participaram de várias conferências – de atores relevantes fora dos governos nacionais. Circularam pela Zona Azul, onde estão os pavilhões dos países e de algumas organizações, CEOs de empresas, representantes de governos subnacionais, cientistas, líderes de movimentos sociais – negro, de jovens, de populações tradicionais – além dos tradicionais ambientalistas. Como diz a economista Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade, são eles que terão de implementar e viver, no mundo real, as decisões tomadas na cúpula.
Foi concluído – ainda que com alguns buracos – o livro de regras. Cabe a nós, a sociedade, jogar o jogo. O ex-presidente americano Barack Obama usou precisamente essa metáfora (adaptada ao futebol americano). “Todas as vitórias serão incompletas, às vezes seremos obrigados a desistir de compromissos imperfeitos”, disse. “Ao menos avançamos com a bola no campo. Se trabalharmos duro e por bastante tempo, as vitórias podem se tornar definitivas.”
Ele se referia ao fato de que, como destacou a revista britânica The Economist, sai-se de todas as COPs com sentimentos mistos de sucesso e fracasso.
Em Glasgow, ao menos, avançou-se na regulamentação do mercado mundial de carbono – e cada segmento da sociedade ganhou clareza sobre qual papel lhe cabe na tarefa de combater a mudança climática.
EMPRESÁRIOS
“Antes as empresas enviavam gerentes da área de sustentabilidade”, observou José Carlos da Fonseca, ex-embaixador e hoje diretor executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). “Desta vez vieram os próprios CEOs, quando não os donos”. Esses empresários terão de lidar com um cenário cada vez mais adverso para atividades da velha economia. Ainda que de forma tímida, pela primeira vez os combustíveis fósseis foram citados numa resolução final de COP – eles que são os maiores responsáveis pelas emissões de CO2 do planeta.
Surgirão, em contrapartida, muitas oportunidades na nova economia, verde e digital – palavras cada vez mais inseparáveis. O greenwashing – quando há mais propaganda do que ações efetivas pelo ambiente – fica cada vez mais difícil, e as empresas terão de prestar contas de seus passivos ambientais. Várias delas marcaram presença em debates do estande do jornal americano The New York Times, um dos mais concorridos da COP.
JOVENS
A jovem ativista Greta Thunberg esteve em Glasgow, e protestos tomaram as ruas. Na COP, porém, os jovens foram muito além das ruas. Marcaram presença nos debates da Zona Azul. Eles pertencem a uma geração globalizada e qualificada, que se aprofunda sobre os temas ambientais e, ao processar dados com destreza digital, propõe soluções. Os brasileiros Eduarda Zoghbi, Paloma Costa e Eric Terena, que representaram o Brasil na pré-COP de Milão, são expoentes dessa geração.
A interação entre jovens e políticos na Zona Azul foi intensa. Cada vez mais a nova geração cobra de seus líderes soluções concretas para o clima. Isso começa a se refletir em eleições pela Europa, onde a questão ambiental foi determinante no voto dos jovens nas últimas eleições alemãs.
POPULAÇÕES TRADICIONAIS
A única brasileira a discursar na abertura da COP foi a líder indígena Txai Suruí. Para além do caráter simbólico, sua fala anunciou duas tendências que marcaram a cúpula. A primeira é a participação crescente das populações tradicionais nos debates sobre mudança climática. Elas ainda são pouco ouvidas pelos governos de seus países, mas têm destaque cada vez maior nos fóruns internacionais. Um exemplo: o Brasil raramente é notícia na imprensa estrangeira, mas a recente movimentação de lideranças indígenas em torno da proposta do marco temporal – discussão jurídica sobre regras para a demarcação de territórios indígenas – ocupou os telejornais mundo afora.
Há uma conexão, demonstrada em estudos, entre a valorização das populações tradicionais e a preservação do meio ambiente. “É preciso retomar a demarcação de terras indígenas”, diz Tasso Azevedo, coordenador do projeto MapBiomas e integrante do comitê de sustentabilidade do Banco Santander. “Elas são a forma mais eficaz de proteger florestas no Brasil.”
BRASIL
Para além das negociações oficiais, a participação brasileira na COP ficou marcada pela efervescência do pavilhão da sociedade civil, o Brazil Climate Action Hub. Decorado com fotografias da Amazônia, algumas delas de autoria de Sebastião Salgado, o Hub reuniu a riqueza e a diversidade do País: movimentos jovem, negro e de populações tradicionais, CEOs, ambientalistas, acadêmicos, políticos, visitantes estrangeiros.
As discussões ocorridas no espaço, que abordam praticamente todos os aspectos ligados à preservação ambiental no País, estão disponíveis no site do Hub (brazilclimatehub.org). É um material inestimável para o debate em torno do papel do Brasil no combate à mudança climática. Duas coisas ficaram claras no saldo final da COP. Sem a Amazônia, o Brasil perde relevância no cenário internacional. E, sem participação ativa do Brasil, a temperatura do planeta pode atingir níveis que fariam James Watt se arrepender de ter inventado a máquina a vapor. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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