Cresce violência de gênero na Argentina
Assassinada em junho de 2020, em Berabevú, na Província de Santa Fé, no auge do isolamento social adotado pelo governo de Alberto Fernández em consequência da pandemia, Julieta é mais um número nas estatísticas de violência de gênero na Argentina.
O isolamento social, segundo analistas e dados oficiais consultados pelo Estadão, amplificou o problema na Argentina. Em março de 2020, a rígida quarentena conseguiu por alguns meses deter o avanço do coronavírus no país. O bloqueio duraria até outubro, quando a população se mostrava insatisfeita com a medida e o presidente Fernández já enfrentava problemas de popularidade.
Denúncias. Durante o período da quarentena de 2020, apontada como uma das mais longas do mundo, houve um aumento de 18% nas denúncias de violência contra a mulher, em comparação com o mesmo período de 2019, segundo a Direção Técnica de Registros e Bases de Dados do Ministério das Mulheres, Gêneros e Diversidade (MMGYD, sigla em espanhol). Foi o caso de Julieta, morta no mês seguinte.
Romero, o agressor, era próximo da família e obcecado pela jovem, conta Fabiana Morón, mãe de Julieta. Ele foi preso preventivamente, mas o processo atrasou em decorrência da pandemia. Para Fabiana, as medidas do governo são insuficientes e a pandemia deixou as mulheres mais expostas à violência.
“É preciso uma mudança de leis e mais moderação por parte do Estado em relação às mulheres”, diz. “Nós estamos esperando pela justiça, Juli está esperando por ela e queremos que seja perpétua.”
Apesar da flexibilização do distanciamento social no começo do ano – que foi seguida por novas restrições em março quando a variante gama do coronavírus chegou à Argentina vinda do Brasil -, as denúncias seguem em um patamar alto.
No primeiro trimestre deste ano, a Argentina registrou um aumento de 12,8% no número de telefonemas para a Linha 144, destinada ao atendimento de situações de violência de gênero, em comparação ao mesmo período do ano passado.
A quantidade de denúncias de agressões no mês de março deste ano, 9.739, também foi a maior registrada nos últimos nove meses. Desde abril, a média de comunicações diárias à Linha 144 não retorna aos níveis anteriores à pandemia.
Confinamento. O confinamento foi crucial para esse aumento, na avaliação de Raquel Vivanco, fundadora do observatório “Ahora Sí Nos Ven” e diretora do Observatório das Violências e Desigualdades por razões de Gênero do Ministério das Mulheres, Gêneros e Diversidade.
Até o dia 29 de maio, a Argentina registrou 1 feminicídio a cada 35 horas, segundo dados do Ahora Sí Nos Ven. No mesmo período, a ONG registrou o total de 103 feminicídios e 79 tentativas de feminicídios. Em 70,9% dos casos o crime foi cometido por companheiros ou ex-companheiros da vítima.
O observatório aponta ainda que a casa é o espaço onde a mulher está mais vulnerável à violência, sendo que 61,1% dos feminicídios ocorreram ou na casa da vítima ou na casa compartilhada com o agressor.
Para combater esse aumento de violência contra a mulher durante a pandemia, o governo argentino tomou algumas medidas, como a criação de novos canais para atendimento de mulheres e pessoas LGBT+ em situação de violência. Outra foi a renovação automática das medidas de proteção. Durante a quarentena, pessoas em situação de violência de gênero tinham passe livre para sair do confinamento para denunciar seus agressores.
Timidez. A Justiça argentina ainda é tímida no combate a esse tipo de violência. “Infelizmente, o Poder Judiciário é o poder que ainda resiste em gerar transformações para incorporar a perspectiva de gênero em seu sistema de abordagem de casos, por isso a Reforma Judicial Feminista é o eixo principal que nos mobiliza hoje na Argentina”, explica Vivanco.
Para Ada Rico, diretora da ONG Casa del Encuentro, muitas vítimas não podem depender da morosidade da Justiça. “Elas não têm tempo para trâmites e burocracias porque são suas vidas que estão em jogo”, afirma. Fabiana Morón concorda e tem uma visão crítica da Justiça argentina.
“Às vezes a mulher violentada que vai pedir ajuda é novamente violentada pela burocracia da Justiça”, conclui.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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