Enfrentamento diário: as barreiras da pandemia no período de luto
Negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Diversas referências bibliográficas apontam que o luto é dividido em cinco fases. Cada um vive este período de maneira diferente. Cada um tem um tempo diferente. Cada um enfrenta a saudade, o medo e a angústia de um jeito diferente. Cada luto é uma experiência única, pois o ente querido que partiu é único.
Para muitos, a pandemia tem intensificado as dores do luto. Foi o impedimento de visitar o ente querido no leito de UTI. Foi a despedida física que não ocorreu diante de um caixão lacrado. Foi a sensação de uma perda que poderia ter sido evitada.
“Diante da pandemia, o sentimento de luto é vivido em relação a singularidade de cada um. Em meio a Covid-19 podemos observar alguns comportamentos e sentimentos em comum em muitas pessoas. Os diversos sintomas, semelhantes ao de luto, podem ser citados por muitos, até mesmo, por pessoas que não perderam algum familiar”, cita a psicóloga, Thamirys Sayami Almeida Amano. “São tempos em que a ansiedade, a depressão, o medo, a angústia, o sofrimento estão cada vez mais presentes. A forma de lidar com esse misto de sentimentos, varia muito também, de acordo com a forma que cada indivíduo aprendeu a lidar com o sofrimento, bem como com o que vem aprendendo nos dias atuais a lidar com ela”.
A psicóloga explica que luto é a denominação dada ao período que o indivíduo vivencia após a morte de um ente querido, seja este um amigo ou familiar. Ela pontua que este período é caracterizado por sintomas físicos e emocionais, como tristeza, quadros de choro, desânimo, raiva, episódios depressivos, ansiedade, taquicardia, falta de ar, entre outros.
“É comum também o enlutado acabar se isolando dos demais, evitar entrar em contato com fontes que lembrem a pessoa falecida, bem como dificuldade no manejo de deveres de seu dia a dia. Embora o luto seja visto como algo extremamente aversivo e doloroso é primordial que o enlutado vivencie este período, para que assim consiga retomar a sua vida diária. Por fim, é importante ressaltar que somos seres subjetivos, com construções biológicas, culturais e sociais distintas, e com isso, podemos compreender que o luto também é um processo único a cada indivíduo e que cada pessoa poderá passar e sentir ele de maneiras diferentes”, observa a profissional.
A SUPERAÇÃO DO LUTO – Os sintomas característicos do luto, conforme Thamirys, assim como todos os quadros emocionais, não estão somente sob nosso controle. Ou seja, faz parte da vida humana, não sendo passível de decisão própria, bem como, são resultante das interações com contextos específicos.
“Não superamos essa fase pelo simples fato de decidirmos que queremos que ela acabe ou que não queremos mais pensar sobre isso, porém alguns fatores são de importante relevância para auxiliar neste processo. É comum que o enlutado sinta-se vulnerável, tenha sensações de vazio, solidão e, até mesmo, contribua para seu isolamento, com isso, o acolhimento e o apoio de amigos e familiares podem contribuir de uma forma significativa na vida do enlutado – denominamos essas pessoas como uma importante rede de apoio”, aponta.
Outro ponto importante citado pela psicóloga é o respeito a este processo por parte do próprio enlutado. Ela reforça que é preciso respeitar as sensações e sentimentos geradas a partir disso, permitir sentir, chorar, respeitar o próprio sofrimento, sinalizar a si mesmo que está passando por uma fase, que isso é temporal, nem sempre esteve nesse sofrimento e nem sempre estará.
UM DIA DE CADA VEZ – A profissional comenta que o enlutado deve buscar não deixar de fazer as coisas que são importantes. Ela cita que a pessoa não deve fingir que nada aconteceu, mas sim, respeitar o próprio sofrimento, porém deixar de lado coisas importantes pode aumentar o foco sobre seu sofrimento, bem como, gerar sentimento de culpa.
“É importante buscar estar com os amigos, conversar quando sentir a necessidade, manter alguns hobbies também podem auxiliar neste processo, por fim, e não menos importante, dedicar um tempo para você, para seu autocuidado, seja a partir de exercícios físicos, meditação, consultas médicas, leitura, terapia, dentre outros. Vale ressaltar que a intensidade do sofrimento do enlutado, irá variar de acordo com a intensidade do sentimento ou do significado que a pessoa que veio a falecer tinha em sua vida”, declara.
BUSCAR AJUDA – Thamirys reforça que o luto é um processo natural da vida humana. Os ‘sintomas’ que envolvem essa fase são necessários para a superação do falecimento do ente querido. Ela acrescenta que não existe um tempo convencional (dias, meses, anos) para que a pessoa passe pelas fases do luto.
“Um exemplo é a fase da depressão. Passou muito tempo e o enlutado continua em estado depressivo, apresenta choro constante, isolamento e desânimo. Esse é um sinal importante a ser levado em consideração para pensar na busca da ajuda profissional, pois o processo do luto natural pode evoluir para um luto complicado ou até mesmo para um quadro depressivo. Vale ressaltar que mesmo antes deste período, se a pessoa perceber muita dificuldade em passar por este processo, ou de manter seus afazeres diários, ele pode deve buscar o apoio profissional”.
A orientação é que a rede de apoio esteja sempre em alerta, pois é importante observar a recorrência de possíveis comportamentos relacionados à automutilação, como cortes e autoagressões, intenso isolamento e verbalizações e ideações suicidas. Ao serem percebido tais comportamentos, é recomendada a busca imediata de ajuda profissional.
QUANDO TUDO PASSAR – “O luto, assim como todos os estados emocionais do ser humano, são naturais. Cada um sente de uma forma totalmente singular, consequentes essas de sua história de vida familiar, afetiva, cultural e social. Sabendo disso, ao enlutado, cabe o respeito ao seu sofrimento, a permissão para que esses sentimentos estejam presentes, sejam sentidos, pois sabemos que eles não irão desaparecer do nada. A situação vai passando conforme nossa permissão e aos poucos diminui a intensidade até não causar tanto desconforto como poderia gerar antes. Cabe as redes de apoio promoverem o amparo, o respeito ao sofrimento e a singularidade da forma de sentir do enlutado, o acolhimento, a escuta, a sua presença e a observação de sinais em que poderá atuar como facilitador do contato do enlutado até um profissional”, conclui.
Da Redação
TOLEDO
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