Ex-assessor de Bolsonaro é o 4º nome a apontar rachadinha em gabinetes do clã

Amigo de Jair Bolsonaro, a quem assessorou na campanha presidencial de 2018, Waldyr Ferraz, o “Jacaré”, tornou-se a quarta pessoa próxima a gabinetes da família a citar a existência de um esquema de rachadinha (desvio de salários) envolvendo ex-funcionários do presidente ou de seus filhos. A suposta apropriação de parte dos salários de assessores pelos políticos foi revelada a partir de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em reportagem do Estadão em dezembro 2018.

Waldyr afirmou à revista Veja que a advogada Ana Cristina Valle, segunda ex-mulher do presidente, comandou o esquema para desviar vencimentos dos assessores do ex-marido, então deputado federal, do senador Flávio Bolsonaro (à época, deputado estadual) e do vereador Carlos Bolsonaro. Cobrado pelo presidente a dar explicações, “Jacaré” negou ter testemunhado crimes e disse ter certeza que a família Bolsonaro não sabia de nada.

Apesar da tentativa de isentar o amigo, as declarações do ex-assessor incomodaram Bolsonaro, que escalou Flávio para rebater a publicação e tentar reduzir danos. O filho mais velho do presidente gravou um vídeo pouco antes de embarcar para o velório da avó, Olinda Bonturi Bolsonaro, em qual leu uma nota na qual Jacaré diz que suas declarações foram deturpadas pela publicação.

Jacaré participou de todas as campanhas de Bolsonaro – eles se conhecem desde o tempo em que o hoje presidente era vereador. Ele fica sabendo quando Bolsonaro vem ao Rio antes mesmo de agenda oficial do presidente ser divulgada.

Segundo Veja, Jacaré descreveu o suposto esquema que Ana operaria. Com poder para fazer uma cota de contratações dos gabinetes, nessa versão ela recolhia documentos de algumas pessoas, abria contas bancárias e lhes dava uma pequena parte do salário, ficando com o restante. Muitas vezes, os assessores seriam fantasmas. Bolsonaro, segundo essa narrativa, de nada saberia. Só teria descoberto, de acordo com Waldyr, quando o Estadão revelou a investigação já aberta. Waldyr também não participaria do esquema. O Ministério Público do Rio, porém, suspeita que o esquema beneficiava os parlamentares. Há um processo sobre o caso, envolvendo Flávio, e uma investigação sobre Carlos. O presidente não está sob investigação e, no exercício do mandato, não pode ser investigado por fatos anteriores a ele.

“Ela fez (a rachadinha) nos três gabinetes”, disse Waldyr, segundo a Veja. “Em Brasília (na Câmara dos Deputados), aqui no Flávio (na Assembleia Legislativa do Rio) e no Carlos. O Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. É isso. Ela que fazia, mas quem é que assinava? Quem assinava era ele. Ele vai dizer que não sabe? É batom na cueca. Como é que você vai explicar? Ele está administrando. Não tem muito o que fazer.”

Ainda segundo a Veja, Bolsonaro, quando soube do esquema, ficou “desesperado”.

“O cara foi traído”, afirmou Jacaré, segundo a revista. “Ela começou tudo. Bolsonaro nunca esteve ligado em nada dessas coisas. O cara (não) tinha visão do que estava acontecendo por trás no gabinete. Às vezes o chefe de gabinete faz merda, o próprio deputado não sabe. Mesmo o deputado vagabundo não sabe, só vem a saber depois.”

Ao Estadão/Broadcast, porém, depois de ter recebido o telefonema de Bolsonaro nesta quinta, 20, Waldyr negou conhecer qualquer esquema nos gabinetes da família.

“Tudo o que eu disse à jornalista da Veja eu li nos jornais, não é nada que eu tenha visto. Eu vivi lá dentro e nunca vi esses esquemas de rachadinha”, afirmou. Segundo ele, o presidente estava irritado ao telefone e disse que ele não deveria ter falado nada. “Comigo nunca aconteceu (rachadinha) e tenho certeza que nem ele (Bolsonaro) e nem os filhos sabiam de nada. Nem sempre o que acontece nos gabinetes os deputados ou vereadores ficam sabendo”.

Quando o Estadão/Broadcast perguntou a Waldyr se ele tinha dito à repórter da Veja que, ao falar de Ana, citava noticiário de jornais, ele teve dificuldades para responder. Não há, nas gravações divulgadas no site da revista, menção, por “Jacaré”, a noticiário da imprensa como fonte das informações sobre a rachadinha.

Queiroz

Outra ex-assessora que revelou a existência do suposto esquema foi Luiza Souza Paes. Segundo o jornal O Globo revelou em novembro de 2020, Luiza contou ao Ministério Público do Rio que repassava quase tudo o que recebia para Fabrício Queiroz, motorista do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, nomeado seu assessor na Assembleia Legislativa do Rio. Luiza também era assessora, mas admitiu que não trabalhava. Foi a primeira vez que um ex-funcionário admitiu que era uma “fantasma” – apenas um CPF usado para, supostamente, sangrar os cofres públicos.

Luiza disse aos promotores que era obrigada a repassar mais de 90% dos seus salários para Queiroz. Ela apresentou extratos bancários que mostram transferências de R$ 160 mil para o ex-assessor de 2011 a 2017. A ex-assessora contou que se envolveu nos desvios aos 19 anos, enquanto ainda cursava a faculdade de Estatística.

Com Flávio, Queiroz e mais quatorze pessoas, Luiza foi denunciada à Justiça. Os crimes são peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita. O processo teve provas anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Uma irmã de Ana Cristina, Andréa Valle, em áudios que lhe foram atribuídos e foram publicados pelo site UOL, também citou o suposto esquema de desvio de salários de assessores. O caso teria ocorrido no gabinete do próprio Jair Bolsonaro, quando era deputado federal. Um irmão de Ana e Andréa, André, teria sido exonerado porque se recusava a repassar uma parte do salário ao suposto esquema.

Outro que citou o suposto esquema de desvio de parte dos salário que recebia como assessor parlamentar foi Marcelo Luiz Nogueira dos Santos. Ele contou ao site Metrópoles em setembro de 2021 que, por quatorze anos, trabalhou para a família Bolsonaro. Marcelo disse que “devolveu” 80% do que recebeu no gabinete de Flávio – uns R$ 340 mil, acumulados ao longo de quatro anos.

O Estadão não localizou Ana Valle para se manifestar sobre a reportagem. À Veja, ela negou ser “mentora da rachadinha” e também ter tido qualquer participação no suposto esquema.

Em publicação nas redes sociais, Waldyr afirmou: “Informo que jamais presenciei ou soube de algo que tenha havido rachadinha (sic) em qualquer gabinete dos Bolsonaros”. O senador reclamou que “os ataques não param”, mesmo em um “momento difícil”. Na madrugada desta sexta, 21, Olinda Bolsonaro, mãe do presidente, morreu aos 94 anos. Flávio costuma atribuir as acusações a “perseguição política” de adversários do pai.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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