Exposição ‘Duetos’ mostra afinidades entre artistas de diferentes épocas
A exposição, feita exclusivamente com o acervo da Fundação, reúne uma centena de obras de diferentes períodos e técnicas, associando o trabalho de 50 artistas. A curadora, estudando a coleção, notou que muitas pinturas e esculturas se aproximavam de um modo peculiar, seja pela linguagem formal ou pela abordagem temática, mesmo com a separação de séculos. Por vezes esse diálogo é evidente, caso do “dueto” composto pelos autorretratos do paraense Ismael Nery (1900-1934) e do gaúcho Iberê Camargo (1914-1994), que guardam semelhança e um ar solene. No caso do andrógino Ismael Nery, o pintor surge, segundo a curadora, como “uma figura celestial e diabólica, sem gênero, voltada para si mesma, como no mito de Narciso”, enquanto Iberê Camargo, igualmente egocêntrico, mas orgulhoso de sua condição viril, se inquieta diante da própria imagem, como o fazia Rembrandt em seus autorretratos.
Em outros “duetos’, a aproximação entre os artistas provoca estranheza nos próprios autores. É o caso do fotógrafo baiano Christian Cravo, que ficou surpreso com a convergência das formas curvas de uma paisagem das dunas do deserto Namibe, da Namíbia, registrada por ele em 2010, e de uma pintura da artista brasileira de origem japonesa Tomie Ohtake (1913-2015). “O jogo de luz e sombra que caracteriza a pintura de Tomie é também o elemento constitutivo da obra fotográfica de Cravo”, justifica a curadora.
Outra aproximação inesperada coloca lado a lado a pintura do francês Raoul Dufy (1877-1953) e a do brasileiro de origem italiana Ernesto de Fiori (1884-1945). Embora contemporâneos, o fauvismo de Dufy, que também era fascinado pelo movimento das águas, como De Fiori, se aproximava mais de Matisse pelo alegre cromatismo de suas telas. Já a pintura do italiano, reconhece a curadora, é “permeada por uma angústia latente”. Ainda assim, as duas paisagens presentes na mostra são construídas de forma similar: traços rápidos e uma pintura líquida, aquarelada.
Igualmente contemporâneos, o pintor baiano Rubem Valentim (1922-1991) e a pintora suíça (naturalizada brasileira) Mira Schendel (1919-1988) se aproximam pela forma com que representavam a presença do sagrado no mundo – Valentim, por meio dos signos do candomblé, Mira, por uma fusão híbrida com predominância de signos cristãos (embora fosse de origem judaica). Curiosamente, o acervo da Fundação Edson Queiroz conserva duas pinturas de Valentim e Mira com a presença de um círculo, forma considerada sagrada em várias culturas. “São trabalhos monocromáticos, que enfatizam a vibração e valorizam a forma”, define Denise Mattar.
Em mais de uma ocasião, as duplas se formam com artistas de diferentes nacionalidades, caso do argentino Carmelo Arden Quin (1913-2010), mentor do Movimento Madi, criado nos anos 1940 em Buenos Aires, e o cearense Sérvulo Esmeraldo (1929-2017). Ambos tinham como seta orientadora de seus trabalhos a geometria. “A obra Les Funambules, de Sérvulo, é um exemplo magistral da consistência de seu trabalho, que tem muito a ver com o rigor matemático de Arden Quin”, diz Mattar. Sérvulo também é colocado ao lado de Abraham Palatnik (1928-2020), mestre da arte cinética, por ter sido o cearense um pioneiro na área.
Nem todos os artistas são conhecidos em todo o território nacional, caso da cearense Heloísa Juaçaba, pintora, desenhista e tapeceira da geração de Raimundo Cela, cujo trabalho é apresentado em ‘dueto’ com uma escultura do carioca Sérgio Camargo (1930-1990). “Ela bordou em uma folha de eucatex, pintou de branco e criou um objeto muito parecido com os relevos de Camargo”, observa a curadora. Essa é uma entre as muitas surpresas da mostra da Fundação Edson Queiroz, que se prepara para construir um novo complexo de arte e cultura em 2021, em terreno no mesmo câmpus da Unifor (leia nesta página).
Fundação Edson Queiroz em novo espaço
A construção de um complexo cultural dentro do câmpus da Universidade de Fortaleza (Unifor) é o grande projeto que vai marcar os 50 anos da Fundação Edson Queiroz, comemorados em 2021. Ainda no primeiro semestre, a maquete do prédio, projetado pela Metro Arquitetos Associados de São Paulo, será apresentada ao público. O projeto, segundo a presidente da Fundação, Lenise Queiroz, atrasou em função da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, mas as atividades promovidas pela entidade não foram interrompidas. Além da exposição Duetos, será realizada nesta terça (20) uma live para comemorar os 90 anos do pintor Babinski, um dos artistas participantes da mostra. Uma individual do pintor cearense Sérgio Helle foi inaugurada em março, atraindo na abertura 723 pessoas, segundo Randal Pompeu, reitor da Unifor.
“Pretendemos continuar com essas lives e as visitas virtuais guiadas na pandemia”, diz Lenise Queiroz, referindo-se à intenção de seu pai, o chanceler Ayrton Queiroz (1946-2017), de transformar a Unifor num polo cultural reconhecido em todo o Brasil e no mundo – visitantes estrangeiros têm sido cada vez mais frequentes em suas exposições. O acervo de obras de arte da Fundação ultrapassa mil peças, 850 delas de valor inestimável, cobrindo todos os períodos de criação, de Taunay a Sebastião Salgado. “Vamos ter uma reserva técnica comparável aos museus mais importantes”, revela o reitor da Unifor. “A coleção tem viajado pelo Brasil e já foi apresentada fora do País, em Lisboa e Roma, dando visibilidade internacional à Fundação”, lembra Lenise.
O ritmo de aquisição de novas obras tem sido lento, reconhece Lenise, porque a Fundação deu prioridade ao projeto de construção do novo complexo cultural. Seu pai era um ávido comprador, que começou com uma tela de Antonio Bandeira e adquiriu obras raras de mestres como Renoir (esta de sua coleção particular). Um dos focos da atual direção é promover artistas cearenses contemporâneos por meio da mostra Unifor Plástica, realizada de dois em dois anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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