Garimpeiros travam cidade no Pará e incendeiam casas de indígenas
Na aldeia Fazenda Tapajós, dentro da terra indígena Munduruku, em um local conhecido como a entrada do Rio das Tropas, casas foram incendiadas. Na cidade, centenas de garimpeiros, apoiados pela prefeitura local, organizaram atos para fechar todo o comércio nesta quarta-feira, 26, como revelou ontem o Estadão.
A reportagem teve acesso a conversas trocadas entre garimpeiros e o vice-prefeito de Jacareacanga, Valmar Kaba (Republicanos). Nas mensagens, eles combinam ações para fechar supermercados e todo o comércio da cidade nesta quarta-feira, 26, além de se encaminharem até o aeroporto da cidade, em protesto contra as ações.
“Agora é que é o momento. É combinar tudo. Esses restaurantes, comerciantes… Fechar tudo. Eles não vão aguentar sem comer. A articulação é essa daí, comerciante, mototáxi, barqueiro. Agora é que é a hora do movimento, entendeu”, diz Valmar Kaba.
Em uma resposta enviada ao vice-prefeito, outra pessoa diz: “Eu topo isso, Valmar. Se o pessoal concordar, chegou a hora de nós fazermos o movimento agora. Cadê os guerreiros, que vão para o movimento? Cadê os chefes dos guerreiros, também? Tem que se unir. Comigo não tem frescura, não, Valmar. Eu não tenho medo, eu topo mesmo. Chegou a hora de nós fazermos isso. Nós temos que fechar os comércios todos. Temos que nós unir para ir pra lar pro aeroporto”. A reportagem tentou contato com o vice-prefeito, mas não obteve resposta.
Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenações das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgaram nota de alerta e risco de vida aos 14 mil indígenas que vivem na região. “Mais uma vez, vidas indígenas estão ameaçadas pelo garimpo e por garimpeiros na Amazônia. A rotina de terror se repete também na TI Yanomami, em Roraima, sob ataque intenso desde o início do mês. A deputada Joenia Wapichana denunciou a situação na TI Munduruku durante sessão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal.”
Pelas redes sociais, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) declarou que enviou pessoal para “mediar” a crise. “Preocupado com o clima de tensão, provocado por uma operação dos órgãos do governo federal em Jacareacanga, pedi para o Comandante Regional da Polícia Militar se dirigir ao local. Com reforço de tropas estaduais, para fazer a mediação com os órgãos federais para uma negociação pacífica e preservar a população.”
As informações sobre a operação vazaram e chegaram antes aos garimpeiros. Em documento ao qual a reportagem teve acesso, a PF informa que seria feito o trabalho “em um raio de 200 km contados como epicentro a cidade de Jacareacanga (PA)”. As ações estão previstas para ocorrerem entre 23 de maio e 10 de junho, em diversas unidades de conservação da região, além de terras indígenas.
Mensagens trocadas entre os garimpeiros nesta terça-feira, 25, procuravam espalhar a informação sobre os locais das operações. A maior preocupação é esconder equipamentos ou retirá-los a tempo, antes que os agentes cheguem e destruam o material. A destruição de máquinas é uma ação prevista em lei e, inclusive, recomendável em uma série de situações. Muitas vezes, o descolamento dos equipamentos oferece risco aos agentes, que podem ser alvos de emboscada durante a mobilização. Paralelamente, a queima dos bens impossibilita a sua retomada e reutilização pelos criminosos. O presidente Jair Bolsonaro já se posicionou, em diversas ocasiões, contra a queima dos equipamentos.
Em nota divulgada nesta quarta, 26, a PF chegou a indicar que as forças de segurança que participavam da ação, batizada de Operação Mundurukânia, ‘foram surpreendidas por um grupo de garimpeiros, que iniciou um protesto contra a operação de proteção das terras indígenas’. “Os manifestantes tentaram invadir a base e depredar patrimônio da União, aeronaves e equipamentos policiais, provocando que medidas de contenção fossem tomadas com efetividade para a dispersão dos invasores sem que houvesse feridos”, disse a corporação.
Os garimpeiros costumam levar, para dentro da floresta, retroescavadeiras de grande porte, conhecidas como “PCs”. Trata-se de máquinas caras, que custam, facilmente, cerca de R$ 500 mil.
Garimpo em terra indígena é crime, bem como qualquer outra atividade de fora que tenha impacto direto no território. Como a maior parte das áreas externas às terras indígenas já foi explorada, garimpeiros e madeireiros concentram suas ações dentro das terras demarcadas.
Aliciamento
No dia 14 de abril, garimpeiros da região chegaram a bloquear a passagem de quem seguia pela BR-230, a Rodovia Transamazônica, que corta o município. As investigações apontam que os garimpeiros têm aliciado um pequeno grupo de indígenas, que libera o acesso às terras indígenas ao receberem um pequeno valor.
Não se trata de uma situação nova. Entre 2018 e 2020, diversas retroescavadeiras foram destruídas em ações na região, mas logo foram repostas por empresários locais. As investigações apontam que há envolvendo de diversos políticos locais com as ações de garimpo que se espalham por todo o município.
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