Governo muda tom e pede doses extras de vacina para países em evento da OMS
O apelo público em agenda com a OMS contrasta com declarações da gestão Jair Bolsonaro durante a pandemia sobre a entidade. A relação política do governo com a OMS foi conturbada sobretudo nos primeiros meses da crise sanitária. Bolsonaro acusou a entidade de ter atuação “partidária” e ameaçou abandonar o órgão – em postura semelhante à do ex-presidente americano Donald Trump. Em abril de 2020, Bolsonaro também chegou a publicar informações falsas sobre a organização, apagadas no mesmo dia.
“Apelo para aqueles países com doses extras que compartilhem essas vacinas com o Brasil de modo a conter a fase crítica da pandemia e evitar a proliferação de novas variantes”, disse Queiroga ontem. Secretários de Saúde já haviam enviado carta à OMS para pedir essa mesma prioridade em março.
No modelo sugerido pelo ministro, nações com transmissão descontrolada, como o Brasil, deveriam receber mais doses. A medida, porém, poderia prejudicar países que têm adotado ações recomendadas pelos cientistas para frear o vírus, como o isolamento social. Ciro Ugarte, do Departamento de Emergências em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da OMS para o continente, também defendeu mais vacinas e verba para América Latina e Caribe, para enfrentar possíveis novas ondas.
Queiroga ainda afirmou não haver atrasos na vacinação no Brasil e destacou capacidade para vacinar até 2,4 milhões de pessoas por dia. Esse patamar só não está sendo atingido, segundo ele, por “dificuldades resultantes da escassez de vacina”.
Conforme Queiroga, o governo está prestes a assinar novo acordo para adquirir cem milhões de doses da Pfizer – outros cem milhões já foram compradas, e o primeiro lote de 1 milhão chegou esta semana. “Temos doses suficientes para o segundo semestre e é possível se garantir que até o fim do ano de 2021 tenhamos a nossa população inteiramente vacinada.”
As parcerias da Fiocruz com a britânica AstraZeneca e do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac para produzir vacinas em território nacional foram exaltadas pelo ministro, que agradeceu a Pequim pela “cooperação fundamental”. Uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, causou embaraço diplomático esta semana. Em reunião do Conselho de Saúde Suplementar, sem saber que era gravado, disse que o “chinês inventou o vírus (da covid) e a vacina dele é menos efetiva que a do americano”, em referência ao imunizante da Pfizer. Pelo Twitter, o embaixador da China, Yang Wanming, disse depois que a “Coronavac representa 84% das vacinas aplicadas no Brasil”.
Neste fim de semana vão chegar ainda mais quatro milhões de doses pelo Covax, consórcio internacional liderado pela OMS. O governo, porém, hesitou sobre entrar no consórcio. Em outubro, ainda na gestão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o País optou por aderir à iniciativa, mas pela cota mínima, que prevê entregar doses para 10% da população brasileira. Havia opção de receber vacinas para até metade do País.
Elo estreito
Apesar das falas de Bolsonaro, o Ministério da Saúde mantém relação estreita com a Opas. A pasta tem diversos acordos com a organização para compra de insumos, além de cooperações no combate à covid.
Queiroga tem feito reuniões semanais com a Opas e já havia conversado com Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS. Um dos temas frequentes nesses encontros é o pedido para que sejam antecipadas ou pelo menos cumpridas as entrega previstas Covax. O Brasil chegou a contar com 10,6 milhões de doses para o semestre por este caminho, mas o cronograma mais recente aponta menos de 6 milhões de unidades previstas até junho.
O apelo de Queiroga pelo envio de vacinas também contrasta com declarações do governo que minimizavam a demora para a compra das doses. Em janeiro, Pazuello disse que iria receber “avalanche” de propostas de vacinas e que o Brasil ultrapassaria a campanha americana já em fevereiro, o que até hoje não ocorreu. Já Bolsonaro passou meses, em 2020, rejeitando propostas de compra da Pfizer e da Coronavac – o Butantan é ligado ao governo de São Paulo, que tem à frente seu adversário político João Doria (PSDB).
A OMS também já criticou a condução da crise sanitária no Brasil. Em março, Adhanom afirmou que o País deve levar a sério a pandemia e citou cenário “muito preocupante”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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