Herói da Ponte na Copinha, Chicão supera AVC e lidera ação com meninos carentes
Os meninos, com idade entre 14 e 17 anos, têm nesse projeto a chance de buscar um horizonte. E a oportunidade de ajudar esses garotos, mesmo com as limitações provocadas pelos quatro AVCs, funciona como um combustível renovador para Chicão. “Pela idade avançada e pela doença, o meu pai atua como meu auxiliar. Mas ele se realiza. Fica ao meu lado, dá orientação técnica, participa com chutes a gol e também faz corridas leves com os meninos. O comprometimento do ex-atleta é tão grande que até função de gandula ele costuma cumprir. Tudo para não perdermos tempo de treino, já que o horário do campo é alugado”, afirmou Franco.
Professor de educação física e responsável pela iniciativa, Franco, de 36 anos, precisou se desdobrar para incorporar mais essa ocupação ao seu cotidiano. Além de dar aulas em duas escolas grandes na cidade, ele atua como personal, e tem uma escolinha de futsal à noite. O trabalho na comunidade terapêutica Padre Haroldo completa suas atividades.
“Sempre dei aulas para colégios de padrão A e nunca tinha feito nada para a galera mais humilde. Vim de um bairro pobre, jogo numa comunidade carente e percebi que tinha de fazer algo nessa linha. O projeto veio para dar um sentido à minha vida profissional. Tiro umas horas do meu dia para me dedicar ao Pratas de Campinas.”
Fazer o projeto funcionar, no entanto, exigiu não só esforço, mas também criatividade e colaboração da família. Materiais esportivos e uniformes chegaram por meio de doações e patrocínios. Uma empresa arcou com os custos de taxas de inscrição para os campeonatos. “Conseguimos ainda subsidiar o dinheiro das passagens, já que muitos meninos moram longe e precisam se deslocar de ônibus para chegar aos treinamentos”, afirmou o professor.
A vitória mais recente do “Pratas de Campinas” vai auxiliar os meninos fora dos campos: por meio de um convênio, os garotos foram contemplados com uma bolsa de estudos de um curso de inglês. “As aulas acontecem às sextas-feiras, por isso não temos treinamento nesse dia. Mas fico com eles quase que a semana toda. Terças e quintas fazemos treino com bola no campo. Às segundas e quartas, o trabalho é físico. No sábado, temos os jogos do campeonato.”
Em casa, praticamente toda a família está envolvida no projeto. Fátima, a mãe, lava e passa os uniformes de treino e de jogo. Chicão separa os coletes, limpa e cuida de cones, bolas e outros acessórios esportivos em um cômodo da sua casa. “Essa participação nos une ainda mais. Não temos ainda verba para pagar a lavagem do material esportivo e essa ajuda caseira diminui os custos. E meus pais fazem isso com o maior prazer. Poder ajudar jovens carentes é revitalizador”, comentou.
O trabalho tem também um cunho educativo. Algumas vezes, os treinos são substituídos por visitas a entidades filantrópicas. “Falamos sobre a vida, as dificuldades que podemos encontrar e a melhor forma de agir para nosso bem estar. No final do ano, por exemplo, fizemos uma confraternização e toda a carne para o churrasco veio de doação.”
Franco falou ainda sobre o método que utilizou para formar o seu grupo. “Fui na lagoa do Taquaral e vi um menino treinando sozinho. Falei sobre o projeto e disse que tudo era gratuito, já que ele não tinha condição de pagar. Nessas mesmas condições outros foram chegando, até por indicação dos garotos que já estavam inseridos no meu grupo”.
PROJETO INSPIRADO NO PAI – O nome Pratas de Campinas é uma homenagem à trajetória do pai no futebol, interrompida pelos graves problemas de saúde. Em 1984, Chicão foi medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles com a seleção olímpica. No jargão futebolístico, o termo também remete a meninos da categoria de base, que são tratados como promessas da casa quando estão para ser lançados no time profissional.
Figura popular na cidade, o ex-camisa nove está marcado na história da Ponte Preta como o terceiro maior artilheiro do clube com 106 gols e fica atrás apenas de Dicá, com 155 e Paulinho, que balançou as redes em 140 oportunidades.
Com rápida passagem pelo Santos, Chicão foi campeão paranaense defendendo o Coritiba em 1989. No Botafogo, três anos mais tarde, foi um dos destaques do time carioca que perdeu a final do Campeonato Brasileiro para o Flamengo. No final da década de 90, porém, sua carreira foi interrompida por um enfarte que colocou fim à trajetória no futebol.
O ex-atacante sofreu ainda mais quatro AVCs, teve cegueira temporária e precisou da ajuda dos familiares para superar sequelas motoras. A volta por cima veio às custas de fisioterapia e muita força de vontade.
“Meu pai é um sobrevivente. O seu problema de saúde uniu toda a família. De uma hora para outra, o ciclo no futebol terminou e passamos por dificuldades. Mas hoje, a situação é outra e o fato dele me auxiliar no trabalho com os meninos é uma prova. Pelo seu passado como jogador da Ponte, o Chicão é uma referência para quem está começando com a gente”, afirmou Franco.
UM OLHO NO TREINO… E OUTRO NA COPINHA – O mês de janeiro tem um significado especial para Chicão. Isso porque nas edições de 81 e 82 da Copa São Paulo de juniores, o ex-centroavante terminou o torneio como grande destaque. Com a Ponte Preta, ele foi bicampeão do torneio e também terminou a disputa como artilheiro nos dois anos. “Meu pai tem um grande carinho pela Copinha. E naquela época eram só os grandes times que participavam. Tinha o status de vestibular da bola. Ele tem muito prazer quando as pessoas lembram dessas duas Copinhas que ele participou e foi campeão. Os dois troféus são muito valiosos para a Ponte Preta.”
Em meio ao projeto dos meninos carentes com o futebol, o próximo passo à frente do “Pratas de Campinas” é implementar também o basquete nas atividades com os meninos carentes. “Conversei com alguns lugares para ter a quadra e consegui um professor. Em fevereiro vamos fazer uma seletiva e vamos tocar o futebol e o basquete com o nome do Pratas. É um trabalho de formiguinha, mas compensa. A evolução dos meninos tanto técnica como física é muito grande. E cuidamos também da formação deles como homens.”
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