Medo toma conta de áreas mistas de Israel
“Os negócios caíram 70% desde que começaram os confrontos”, diz o dono, Avi Shueri, de 66 anos, sentado próximo a uma das paredes do estabelecimento decoradas com crucifixo, um retrato da Mesquita de Al-Aqsa e certificados de donativos de homus para eventos do Exército israelense.
Shueri é árabe e cristão, filho de imigrantes libaneses, e toca o negócio familiar, fundado há 70 anos, com o filho. Apesar da perda de clientela, ele diz não ter raiva. “Não culpo as pessoas pelo que está acontecendo. Elas estão morrendo em todas as direções. O problema está no poder e nas instituições.”
Com cerca de um terço da população árabe, a maior parte remanescente do êxodo palestino após a fundação de Israel, em 1948, a cidade de Jaffa foi incorporada à municipalidade de Tel-Aviv em 1950. A região é conhecida por sua área portuária histórica, por passagens bíblicas e por misturar com certa harmonia árabes e judeus.
Desde o início do conflito, no entanto, Jaffa foi transformada pelo medo e pela onda de manifestações brutais que se espalharam por várias partes de Israel. Há mais de dez dias, as ruas estão vazias no fim da tarde, com lojas fechadas, forte policiamento e restrições na circulação de ônibus e carros após 16 horas.
Confrontos nas ruas deixaram um soldado israelense de 19 anos gravemente ferido, assim como um menino árabe, de 12 anos. Segundo a mídia israelense, os principais suspeitos do ataque são árabes que teriam confundido a casa onde mora a criança com a de uma família de judeus.
Coquetéis molotov também foram jogados nas casas de judeus, de acordo com o jornal Haaretz, e um jovem e dois jornalistas foram agredidos na região nas últimas semanas. Também são frequentes os relatos de episódios de agressão com pedras e objetos, além de veículos queimados nas ruas.
“Minha família está aqui antes da fundação do Estado. Eles costumavam dizer que os confrontos entre árabes e judeus sempre existiram, mas Jaffa era o único lugar onde se encontrava paz”, conta o estudante Hillal Saker, árabe de 20 anos. “Foi uma surpresa para todos nós o que vimos, e para eles uma violência nunca antes presenciada em Israel.”
Ao norte, mais perto de Tel-Aviv, a brasileira Nicole Sara Augustowski, de 37 anos, evita sair de casa desde o dia 10. Moradora de Jaffa, ela tem passado os dias em home office acompanhando as notícias na TV e nos grupos de WhatsApp. “Tem ódio nas ruas, carros destruídos, é guerra mesmo”, conta. “Embaixo do meu antigo apartamento, tinha um supermercado que os donos eram árabes. Eu saía para correr e deixava a chave da minha casa com eles.”
O ciclo de violência em Jaffa é inédito, mas a hostilidade entre árabes e judeus vem escalando desde o mês passado. O motivo das tensões é o processo de gentrificação pelo qual a região passa há pouco mais de uma década, que não se explica somente por razões econômicas, mas também étnicas.
Hoje, Jaffa é conhecida por sua noite vibrante, cheia de bares e restaurantes, pela presença de novos hotéis e residências de luxo, e pela elevação do preço dos imóveis, afetando diretamente os residentes árabes, que não conseguem se manter na região. “O que está acontecendo está conectado com o que acontece em Sheik Jarrah, em Jerusalém Oriental, em Gaza e na Cisjordânia”, diz a ativista árabe Sally Abed, membro do movimento popular Standing Together, que participa de manifestações na região.
Desde abril, protestos de moradores árabes para barrar a aquisição de imóveis em Jaffa por judeus, sobretudo extremistas, vêm ocorrendo com forte repressão policial, e agora se acentuam desde os confrontos na Mesquita de Al-Aqsa e a ameaça de despejo das famílias palestinas no bairro de Sheik Jarrah, em Jerusalém.
Na terça-feira, uma manifestação em apoio à causa palestina uniu os moradores de Jaffa, israelenses e palestinos. “O que vivemos como palestinos dentro de Israel é a continuidade da ocupação e uma sistemática discriminação. A nova geração (de palestinos) está se tornando mais confortável em perceber essa conexão, reivindicar a identidade palestina e o direito de ser parte dessa luta”, diz Sally.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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