Ministérios descumprem determinação para dar transparência a emendas
Ao contrário do que determina o decreto, Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Cidadania e Agricultura não divulgam em suas páginas na internet documentos com a comunicação entre as pastas e o relator-geral do Orçamento. É por meio destas tratativas que o Congresso aloca recursos do orçamento secreto, a pedido de políticos da base do governo.
A falta de transparência no uso das emendas de relator-geral – a base do esquema revelado pelo Estadão – levou o Supremo Tribunal Federal a determinar, também em dezembro, a publicidade dos documentos relacionados às demandas e à execução das emendas. O decreto de Bolsonaro teve o objetivo, em tese, de cumprir a decisão do STF. Mas, mesmo nos ministérios que começaram a divulgar documentos, ainda há falta de informações detalhadas sobre quem é autor dos pedidos de repasses.
Dois dos ministérios que ignoraram o decreto de Bolsonaro estão entre os que mais receberam verbas do orçamento secreto em 2021. Em 2021, o Ministério da Saúde empenhou (reservou) R$ 7,6 bilhões em recursos das emendas de relator. Já o Ministério da Agricultura recebeu empenhos da ordem de R$ 1,1 bilhão – no ano passado, os empenhos da rubrica somaram R$ 16,7 bilhões.
Após questionamento da reportagem, a Agricultura publicou na quarta-feira um link genérico para a Plataforma +Brasil, que centraliza informações sobre convênios do governo, mas não tornou públicas as comunicações com o relator do Orçamento. “Em breve, estas informações também estarão disponíveis nesta página”, diz o site da pasta. Já o Ministério da Cidadania disse ao Estadão que pretendia publicar as informações nesta semana, o que não ocorreu. Os demais ministérios não responderam.
‘Organizadas’
De acordo com o decreto assinado por Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os ministérios deveriam publicar “as solicitações que justificaram as emendas do relator-geral”. Essas informações deveriam ser “organizadas de acordo com as programações orçamentárias correspondentes” e “divulgadas nos sítios eletrônicos de livre acesso dos respectivos ministérios”, na forma da Lei de Acesso à Informação.
Até o momento, só as pastas da Defesa e do Desenvolvimento Regional cumpriram, em parte, o decreto. O Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, porém, forneceu informações de forma desorganizada, em documentos não editáveis, com e-mails repetidos e tabelas cortadas, o que, em muitos casos, inviabiliza a identificação do parlamentar responsável pelas indicações. Além disso, o MDR não deixa claro que indicações foram acatadas e resultaram no repasse de recursos.
Já a Defesa deu transparência às indicações datadas do ano de 2020, diretamente enviadas por senadores – os pedidos dos congressistas somam R$ 193 milhões. Apesar disso, a pasta não apresentou, por exemplo, os nomes “por trás” do relator-geral de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), que indicou R$ 543 milhões.
Pelo decreto de Bolsonaro, o Ministério da Economia também deveria publicar a lista dos “links” nos quais as demais pastas publicariam as informações – o que não aconteceu. A Economia disse que a divulgação ocorrerá “tão logo (as páginas) sejam informadas pelos órgãos executores”.
No caso do MDR, porém, a falta de transparência é maior em relação às indicações feitas antes da decisão do STF e do decreto. Até agora, a pasta não publicou os documentos que recebeu do Congresso com indicações dos mais de R$ 8 bilhões que executou de emendas de relator. A pasta empenhou, só em dezembro de 2020, mais de R$ 3 bilhões para apoiadores da candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara.
Pastas podem ter as contas rejeitadas, afirma advogado
A desobediência ao decreto presidencial pode acarretar sanções para os responsáveis, segundo o advogado Bruno Morassutti, uma vez que a norma tem a finalidade de regulamentar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pelos ministérios em relação ao RP-9 (código usado para identificar as emendas de relator).
“O Tribunal de Contas da União analisa todos os anos as contas dos ministérios, e um dos critérios é justamente o cumprimento da LAI e da LRF”, observou o advogado. “Portanto, se o ministério não trouxer argumentos técnicos razoáveis para não estar cumprindo o decreto do presidente, os responsáveis pela pasta, os ministros, podem ter as contas rejeitadas ou julgadas com ressalvas”, afirmou Morassutti, que é cofundador da agência Fiquem Sabendo, voltada à transparência pública.
“E, claro, na eventualidade de existir algum problema que demonstre um descumprimento deliberado, aí é possível que o TCU multe o gestor público e remeta o assunto ao Ministério Público Federal para que tome as medidas cabíveis.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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