Pesquisa busca resgatar história da primeira médica da Tríplice Fronteira
Ela nasceu em um 8 de março e foi protagonista de uma história de força e coragem na Tríplice Fronteira. Marta Teodora Schwarz chegou a Puerto Iguazú em 1949 para se tornar a primeira médica da região e, mais que isso, para ser o “Ángel de la Selva”. Hoje, o hospital de Puerto Iguazú leva seu nome e a casa onde morou se transformou em um museu. Mas, para a grande maioria da população da fronteira, Marta Schwarz segue invisibilizada. Para dar visibilidade a esta importante personagem, pesquisadoras da Unila estão iniciando um projeto que pretende recuperar sua trajetória histórica e protagonismo.
Ela tem uma biografia fantástica. Fiquei envolvida desde que conheci a trajetória dela, fiquei muito impactada. Marta tem um pioneirismo muito grande na região num momento em que era muito difícil para as mulheres exercer a medicina”, comenta a historiadora e coordenadora do Observatório de Gênero e Diversidade na América Latina e Caribe, Cleusa Gomes. Ela divide a coordenação da pesquisa com Jorgelina Tallei, que tem formação em Letras e é docente de espanhol.
A pesquisa faz parte do projeto “Biografías interculturales de frontera”, que pretende reunir perfis de mulheres pioneiras na Tríplice Fronteira. Marta Schwarz será a primeira dessa série. As pesquisadoras lembram que, apesar do legado deixado pela médica, não existem trabalhos acadêmicos que contem sua história e trajetória. “Nós trabalhamos com a questão de como as mulheres são invisibilizadas e a necessidade de trazê-las para a história”, observa Cleusa Gomes.
MULHER DE AÇÃO – Além de médica dedicada a seus pacientes nos três países, Marta também foi diretora do Hospital de Puerto Iguazú por 40 anos e chegou a assumir o cargo de ministra da Saúde, Cultura, Educação e Ação Social de Misiones (1963). O reconhecimento por sua dedicação teve início em meados da década de 1980, quando Marta recebe o prêmio Alicia Moreau de Justo por ser uma das cem mulheres com trabalhos dedicados à Argentina (1968); o prêmio da ONU por sua trajetória (1999); e o Prêmio Hipócrates, da Universidade de Buenos Aires, como médica destacada na assistência rural (2001). Em 1986, ela recebeu o título de cidadã honorária da cidade de Foz do Iguaçu.
Numa percepção inicial, Marta Schwarz pode ser considerada uma “mulher de ação”, comenta Cleusa, ressalvando que ainda não foram realizadas análises aprofundadas dos documentos, devido ao fechamento das fronteiras e a dificuldade de acesso a Puerto Iguazu durante a pandemia. “Ela era uma mulher que trabalhava muito, que era de muita ação”, diz. A médica fez mais de 2.500 partos, deslocava-se ao Brasil e Paraguai para atender seus pacientes e criou uma escola de enfermagem para suprir a falta destes profissionais na região. “Ela praticamente implantou a saúde na Tríplice Fronteira”, enfatiza Jorgelina Tallei.
Para ela, Marta “era, de fato, uma mulher que queria transformar o seu tempo”. “Ela não era uma mulher que só transitava no mundo dos homens. Ela queria transformar o seu tempo, o território onde estava. Nesse mundo todo transitado por homens, ela transformou”, analisa.
Jorgelina observa que a ideia da pesquisa surgiu durante a pandemia, quando mulheres atuaram com intensidade, tanto as profissionais da saúde, como as demais profissionais que tiveram de trabalhar de forma remota, absorvendo a educação dos filhos e os cuidados com a casa ao mesmo tempo. A saúde, lembra Jorgelina, na época em que Marta chegou à região de Foz do Iguaçu, era um espaço de homens em sua maioria, mas ainda hoje é possível perceber essas diferenças. Para ela, a pandemia trouxe à tona essa questão. “A pandemia é um momento em que a questão de gênero foi muito visibilizada. Se observarmos, a maioria dos [especialistas] que falam sobre a pandemia são homens. Poucos escutam as enfermeiras, que estão na linha de frente do combate”, exemplifica.
INTERCULTURALIDADE – Desenvolvida a partir também da perspectiva da interculturalidade linguística, a pesquisa busca apontar também como a médica se comunicava com seus pacientes. Além de espanhol, Marta também falava português e guarani. “O fato de viver na fronteira já carrega o viés da interculturalidade. Nós queremos saber como ela se contextualizava sendo uma mulher de fronteira. Em que línguas ela interagia com seus pacientes e qual a relação dela também com o espaço geográfico, com sua cultura”, enumera Jorgelina, lembrando que quando a médica chegou à região, o espanhol circulava com muito mais força que o português.
Com a pesquisa, diz Cleusa Gomes, a intenção é mostrar que as mulheres precisam ser, cada vez mais, “descobertas”. “Quem tem a preocupação de trazer as mulheres para a memória histórica, para a autoconsciência são as próprias mulheres. É preciso olhar para o passado para nos reconhecermos no presente. Nos reconhecermos nessas mulheres.”
FOZ DO IGUAÇU