Quebra na safrinha faz Paraná entrar na briga para comprar milho

A produção de proteínas animais na região Sul do Brasil tem no Paraná um pilar estruturante no abastecimento de milho. O cereal produzido em território paranaense, principalmente na segunda safra, é crucial para a alimentação animal (especialmente de suínos e aves) em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. O que ninguém contava é que a seca e a geada seriam implacáveis na temporada 2020/21. Em vez das 14,6 milhões de toneladas de milho previstas inicialmente, as lavouras estaduais devem gerar em torno de 6 milhões de toneladas – a menor colheita da última década. 

As perdas nas lavouras do Estado se repetem em praticamente todas as regiões. Em Nova Esperança, no Noroeste, Leonardo Pasquini contabiliza os prejuízos nos 120 hectares dedicados ao milho safrinha. O primeiro tropeço foi uma seca de quase dois meses, o que já tinha diminuído o potencial produtivo da lavoura em cerca de 30%. Em julho, três dias seguidos de geada levaram embora mais 30% da colheita. “As espigas estavam novas ainda, com grão leitoso, então além de comprometer a produtividade, também afetou a qualidade”, lamenta o agricultor.

Em Assaí, no Norte do Paraná, Sergio Munh apostou 100 hectares no milho segunda safra. Na região não houve problema de estiagem e o cereal vinha se desenvolvendo bem. “A geada pegou o milho bem no ponto de fazer pamonha [milho verde]. Eu calculo uma quebra de até 60%. O que resta é esperar o ano que vem, torcer para que o clima seja favorável e plantar de novo”, reflete Munh. 

A principal consequência dessas perdas é que, em vez de vender o cereal excedente para catarinenses e gaúchos ou mesmo para a exportação, o Paraná vai ter que disputar com seus vizinhos espaço na corrida pela compra de milho da Argentina, Paraguai e de outros Estados (Mato Grosso e Goiás, principalmente). A boa notícia é que não vai faltar milho para as cadeias de proteínas animais. Em compensação, o grão que já está caro (saca perto dos R$ 100) vai ficar ainda mais. 

Esse cenário preocupa quem atua na produção de proteínas animais, caso dos Artoni. Além de contabilizar perdas em 170 hectares de milho em Naviraí, no Mato Grosso do Sul, a família tem 50 hectares no município de Rondon, no Noroeste do Paraná, onde mantêm 200 cabeças de boi. Além disso, eles têm quatro aviários capazes de abrigar 80 mil frangos por lote. “A ração já vem subindo desde o ano passado e os custos de produção no geral estão em alta. Na pecuária pelo menos o preço da arroba está acompanhando, mas nós estamos nos preparando para tempos difíceis daqui para frente”, projeta Bianca Artoni.

ESCASSEZ – A preocupação de Bianca é a mesma de todo o setor agroindustrial no Paraná, já que o milho é um dos combustíveis do agronegócio – seu custo impacta diretamente em todas as cadeias produtivas. Flávio Turra, gerente de desenvolvimento técnico do Sistema Ocepar (entidade que representa as cooperativas estaduais) calcula que o Paraná consome de 12 a 13 milhões de toneladas do cereal para abastecer as cadeias de proteínas animais. Somando a primeira safra (3,1 milhões de toneladas) com a safrinha (6 milhões de toneladas), o Paraná produzirá em 2020/21, 9 milhões de toneladas. “Como se esperava que o Paraná fosse produzir 17,5 milhões, em tese sobrariam cerca de 5 milhões de toneladas. Agora, estamos com déficit de mais ou menos 4 milhões de toneladas”, estima Turra. 

O especialista lembra que essa conta não é tão simples, já que sempre há movimentação de milho entre Estados e as exportações, mas serve para ilustrar a escassez do cereal que já está sendo vivida pela agroindústria. “De fornecedor para Santa Catarina e Rio Grande do Sul e exportador, entramos na lista de compradores de milho para abastecer a nossa demanda interna. Em síntese, vamos ter matéria prima disponível para atender a demanda, porém, com custo alto e com uma logística mais cara”, resume o gerente no Sistema Ocepar. 

O presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Avícolas do Estado do Paraná (Sindiavipar), Irineo Costa Rodrigues, reitera que a escassez do cereal já é uma realidade e que deve se intensificar entre o fim de 2021 e o início de 2022. “Os estoques estão baixos e só temos perspectiva de melhora nesse aspecto com a colheita da próxima safra, isso se tudo correr bem. Vamos ter que importar. Com o dólar a mais de R$ 5, o produto vai chegar caro nos portos brasileiros”, estima. 

Rodrigues demonstra preocupação ainda com a interiorização do cereal, já que a estrutura do Paraná é para escoar grãos do campo para o porto, não o contrário. “A nossa logística não foi desenhada para isso. Os portos são especializados em embarque de grãos, não no desembarque. O desenho hoje é ir com soja e milho e voltar com fertilizante. Agora, além de voltar com adubo, os caminhões e trens vão ter que voltar com milho, e o custo desse frete vai ser contabilizado no preço final pago pelas indústrias”, aponta. 

A curto prazo, na opinião de Rodrigues, os aspectos práticos para a interiorização do milho precisam ser prioridade do governo estadual, em eventuais adequações de emergência. A médio e longo prazos, é preciso ampliar a capacidade de armazenamento de grãos para que seja possível ter estoques de passagem maiores. “Não é um problema de agora, mas temos que começar a resolver. A produção aumentou muito e a armazenagem não aumentou na mesma proporção”, avalia. 

BALANÇA DESFAVORÁVEL – De acordo com levantamento do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema Faep/Senar-PR, de janeiro a julho de 2021, o Paraná já importou 670 mil toneladas de milho, o que representa um aumento de 157% em relação ao mesmo período do ano passado (260 mil toneladas). Isso pagando 39% a mais por tonelada (média de US$ 204,71 em 2021 contra US$147,33 em 2020). 

Por outro lado, as exportações de milho pelo Paraná praticamente deixaram de existir de maio em diante. Somando maio, junho e julho, o total de milho exportado ficou em 120 toneladas, contra 70,8 mil toneladas em 2020 e 1,6 milhão de tonelada em 2019. 

O técnico Edmar Gervásio, do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), aponta que as importações do cereal devem seguir aquecidas, mas sem precisar o quanto de cereal deve vir de fora. “Podemos ter a indústria de suínos fazendo adaptações, como colocar trigo na composição da ração. Na avicultura, tem formas de diminuir o consumo de milho, aumentando ou diminuindo o ciclo da ave, desalojar matrizes. Tem vários detalhes que a indústria pode e normalmente faz para reduzir seu consumo de milho em momentos assim”, sinaliza.

PERSPECTIVAS – O analista de inteligência de mercado da StoneX, João Lopes, reforça que o principal impacto da quebra será inevitavelmente na pressão sobre os preços, com potencial para ficar acima dos R$ 100 a saca. Outro ponto é a redução das exportações de milho pelo país, que no ano passado ficaram em 35 milhões de toneladas. “Nesse ano deve fechar em 19 milhões de toneladas”, projeta Lopes. “O preço no Brasil está mais competitivo do que a cotação para exportação. Além disso, a quebra de safra afetou a qualidade dos grãos e pode ser que muito do cereal não atinja a qualidade mínima necessária de exportação”, analisa. 

Por outro lado, o analista aposta num aquecimento das importações de milho. A nível nacional, o Brasil importa, em anos normais, em torno de 1,5 milhão de toneladas – basicamente da Argentina e do Paraguai. A StoneX projeta que nessa safra esse volume passe de 3 milhões. “Eu acho difícil faltar milho, mas por ora pode ser que a gente siga com um mercado pouco aquecido internamente, com poucas negociações. O produtor está esperando um pouco antes de vender para ver se o preço vai subir mais”, reflete. 

Ana Paula Kowalski, técnica do DTE do Sistema Faep/Senar-PR, avalia que a demanda interna e a queda da estimativa de produção a cada nova divulgação de números são fatores de alta no preço do milho no mercado interno. Porém, o limite será sempre ditado pelo mercado internacional. “É preciso ficar de olho na Bolsa de Chicago e no dólar, componentes do cálculo da paridade de importação do milho”, destaca. 

Na análise de Ana Paula, o preço de Chicago teve uma queda expressiva desde o início de julho (apesar de historicamente estarem bastante elevados), mas se mantém estável desde o final do mesmo mês. “A situação agora depende da divulgação de novos relatórios de produção e produtividade da safra americana, especialmente. O dólar também tem oscilado bastante desde o início de julho, e em agosto está em elevação, o que torna as importações mais caras”, diagnostica. 

CURITIBA

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