Remoção de próteses de silicone cresce e expõe novo olhar feminino

Quando elas colocaram prótese de silicone nas mamas, nada se falava sobre como tirar. Hoje, alimentado pelo compartilhamento de informações nas redes sociais, o explante virou um fenômeno no país campeão de cirurgias plásticas.

Encaixar-se no padrão de seios volumosos – febre há mais de 20 anos – deixou de fazer sentido para muitas delas. Para outras, embora ainda gostem do que veem no espelho, os riscos da prótese à saúde preocupam.

A atriz Gabriella Britto, de 30 anos, descreveu a experiência nas redes sociais com a remoção em janeiro. “Minha decisão (de colocar, há nove anos) partiu de achar que talvez algo externo pudesse fazer com que me sentisse melhor”, diz. “Existia e continua existindo dificuldade de mostrar o corpo real das mulheres. Nós achávamos que tínhamos algum problema”, avalia.

Nos últimos quatro anos, mudanças no estilo de vida, como aderir ao veganismo, a fizeram repensar a necessidade do silicone. “Eu tinha um corpo estranho, que poderia causar danos, e senti que não precisava mais deles.”

O número de remoções de implantes de mama aumentou 33% no Brasil, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica. Passou de 14,6 mil, em 2018, para 19,4 mil, em 2019 – últimos números disponíveis. A cirurgia para aumento da mama continua sendo um dos carros-chefe das plásticas no Brasil, com 211 mil procedimentos no ano, mas a procura tem sofrido queda.

Médicos brasileiros que se especializaram no explante contam que a busca pela remoção teve um boom em 2020, mesmo com a pandemia, e segue em alta. Por semana, o cirurgião plástico Bruno Herkenhoff faz de quatro a cinco cirurgias. Ele conta que até para ele, no início, retirar o silicone exigia um esforço de mudança da mentalidade sobre a beleza. “Temos de fazer um trabalho psicológico para mudar esse paradigma que vem desde a nossa formação”, afirma.

A jornalista Camila Ermida, de 42 anos, relata “relação de amor e ódio” com o silicone, colocado em 2017, até retirá-lo em agosto. Ela tinha zumbidos no ouvido, queda de cabelo, pés e mãos gelados.

Em uma das mamas também foi detectada uma contratura capsular ainda em grau leve – quando a membrana formada pelo corpo em volta do silicone passa a comprimir a prótese. “Foi uma escolha preventiva. Não esperei apresentar outros sintomas.”

As alterações físicas percebidas por ela fazem parte de uma lista de sintomas relatados por outras mulheres com implantes mamários. A chamada “doença do silicone”, que engloba essas queixas, não é reconhecida como enfermidade pela classe médica. Mas boa parte das mulheres que fazem o explante dizem ter melhora em pelo menos uma parte dos sintomas. Outra síndrome associada à prótese é a Asia (síndrome autoimune-inflamatória induzida por adjuvante), descrita em 2011 por um pesquisador israelense. Consiste no desenvolvimento de doenças autoimunes.

O cirurgião plástico Ricardo Eustáchio de Miranda diz que hoje é mais comum que as mulheres cheguem ao seu consultório para retirar do que colocar silicone. Muitas delas, conta, vêm com queixas de Asia. “Acredito nos sintomas. A questão é saber se estão relacionados à prótese ou não. Temos de fazer a investigação. Excluindo tudo, retira-se (o silicone), mas sempre falo que não há garantia de que a retirada da prótese melhore os sintomas.”

Miranda atende em Guarulhos e São Paulo e é indicado por outras mulheres que fizeram explantes – faz 350 dessas cirurgias por ano, incluindo pacientes de outras cidades.

ONLINE. Médicos que fazem explantes ressaltam o papel do compartilhamento de informações nas redes sociais para a tomada de decisão. Além de páginas que reúnem relatos de problemas de saúde associados às próteses, influenciadoras na internet questionam padrões de beleza e também dão força ao movimento.

Nas últimas semanas, o compartilhamento de informações por influencers sobre retirar próteses esquentou o debate. A atriz Fiorella Mattheis, que fez a cirurgia de remoção este ano, contou a experiência aos seus 3 milhões de seguidores no Instagram. “Importante a gente se amar”, escreveu. Ela relatava dores na mama.

A escritora Alexandra Gurgel, fundadora do Movimento Corpo Livre e autora do livro Pare de se odiar, também anunciou que pretende fazer o explante. Em seus canais em mídias sociais como Instagram e Facebook, com 1 milhão de seguidores, ela critica os padrões de beleza impostos às mulheres e a gordofobia.

Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Dênis Calazans afirma que a percepção da entidade é de que a remoção de implantes é mais falada do que ocorre, de fato. Ele vê “alarmismo” nos relatos sobre problemas de saúde ligados à prótese e que há ainda “pouca evidência científica” sobre isso.

Segundo Calazans, o número de pacientes que se beneficiam com a prótese é muito maior do que as que optam pela retirada. A SBCP não tem dados específicos sobre remoção de implantes, mas o próximo censo da entidade vai mapear o aumento dessas cirurgias.

Para ele, o profissional tem o dever de dar informações às pacientes sobre eventuais riscos. “Elas têm de estar cientes de que estão usando um dispositivo médico sintético, que tem possibilidade de cursar com alterações locais do próprio implante, que aquilo tem de ser monitorado periodicamente e eventualmente, como toda cirurgia, implica riscos”, diz.

‘Foram 4 anos perdidos, 4 anos sem viver. Hoje, vivo’

Suelen Ferreira

Especialista em Colorimetria

Coloquei (a prótese de silicone) há seis anos. É o sonho de toda mulher ter um ‘peitão’ bonito. Estava prestes a fazer 30 anos, tinha diversas amigas, colegas, clientes com silicone. A cirurgia foi perfeita, sem complicação, saí super satisfeita. Mas os primeiros sintomas começaram com 6 meses e eu não sabia, nem imaginava, que poderia ser o silicone.

Começaram as dores musculares, no corpo, nos ossos, que foram piorando de forma surreal e absurda. De quatro anos para cá, a vida parou: não conseguia mais trabalhar, um simples passeio no shopping me deixava ofegante, cansada, meus membros inferiores e superiores ficavam inchados. Minha visão ficou turva.

Nos últimos dois anos tive a primeira contratura e rotação da prótese. Sentia dores absurdas no peito. Chegou ao ponto de não conseguir tomar banho, escovar os dentes. Não tinha força nenhuma no braço, não conseguia segurar um copo. Por diversas vezes me queimei por deixar coisas caírem.

Fui à procura de quem pudesse me auxiliar depois de uma peregrinação de médicos – porque não são todos os que fazem o explante e nem todos acreditam na ‘doença do silicone’. Muitos optavam por fazer a troca, mas não era o que eu queria. Comecei a pesquisar no Instagram, Facebook, Google até que cheguei (em janeiro deste ano) a páginas sobre o explante.

Fiz a cirurgia no dia 30 de julho. Consegui respirar pela primeira vez após a retirada. Acabaram a fadiga, a dor muscular. Retornei ao trabalho. O que volta de vez em quando é o olho embaçado, sensação de conjuntivite e zumbido no ouvido. Foram quatro anos de vida perdidos, quatro anos sem viver. Hoje eu vivo. Se soubesse há seis anos tudo o que hoje já é exposto, se tivesse mais acesso a certas informações, teria o poder de escolha. Essa é minha experiência: não estou falando contra o silicone, mas o que me causou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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