Ricardo Nunes: ‘Não tenho o direito de errar; gestão é de Covas’

O novo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), de 53 anos, não tem pressa de impor seu modo de governar nem mesmo de ocupar o principal gabinete do Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura. Seis dias após a morte do amigo e “líder” Bruno Covas, o emedebista segue despachando na sala de vice, enquanto se molda ao figurino de chefe do Executivo quase quatro anos antes do planejado.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, Nunes diz que a forma como chegou ao cargo não lhe dá o “direito de errar” e afirma que seu principal desafio é reduzir as desigualdades sociais e proporcionar uma retomada consistente da economia. Ao listar suas prioridades, Nunes se compromete a não aumentar a tarifa dos ônibus neste ano, a entregar o Parque Augusta (e dar a ele o nome de Covas), a oferecer internação para usuários de crack, permanecer no MDB e defender um projeto de centro para 2022, mesmo dizendo não ter se arrependido de ter votado no presidente Jair Bolsonaro.

Palmeirense, católico praticante e descendente de portugueses, Nunes rechaça a fama de conservador e de político de direita e, como ex-vereador, diz que saberá valorizar a Câmara e prestigiar os parlamentares – que, segundo ele, sabem do que a cidade precisa.

O sr. se despediu de Covas?

Estive com ele na quinta-feira no hospital e ele brincou, deu risada. E sempre que sorria – e ele tinha uma risada espontânea, escrachada – era sinal de que estava bem. O Bruno era muito exigente com tudo. Ele não tinha essa coisa de jogar a toalha. Foi uma tristeza enorme saber, no dia seguinte, que consideravam o quadro irreversível. Não nos despedimos. Ele fazia planos de voltar.

Foi nessa hora que percebeu que seria de fato prefeito?

Quando soubemos que era irreversível isso nem passou pela minha cabeça. Ficamos aqui todos chorando e ainda com aquele desejo de que um milagre acontecesse. Só no velório e no enterro, diante do corpo mesmo, foi que caiu a ficha.

Ser prefeito era um plano seu?

Era uma coisa que a gente construía para 2024, porque o Bruno não poderia ser candidato à reeleição. O que a gente discutia, ainda muito prematuramente, era o Bruno ser candidato a presidente em 2026. A intenção era fazermos uma baita gestão para ele ser candidato a presidente. Ele tinha esse potencial, visão de vida, de País, de sociedade, e é disso que o Brasil precisa.

Como encara esse desafio?

Como uma responsabilidade muito grande. No meu caso, é uma dupla responsabilidade. Penso nisso todos os dias, que tenho de honrar a memória dele, o governo, que é dele, com redução da desigualdade.

Por que a gestão é Covas se terá quase o mandato inteiro? Não reduz sua responsabilidade?

Não, tenho a minha responsabilidade e eu não tenho o direito de errar (frase repetida aos subprefeitos ontem). Mas a gestão é Bruno Covas, ele foi o líder que nos fez chegar aqui. Vamos seguir os planos, as metas, as diretrizes do Bruno. Até pedi para o Marcus Sinval (Comunicação) que em todas as placas de inauguração da Prefeitura conste ‘Gestão Bruno Covas” para homenageá-lo.

Quais as suas posições sobre a chamada pauta de costumes, como o aborto?

A favor da Constituição, o que já está previsto, sem avanços ou retrocessos.

É a favor da descriminalização das drogas ou só da maconha?

Sou contra.

E quanto ao uso da cannabis para fins medicinais?

Sou a favor.

Cotas raciais, sociais e políticas, como reserva de cadeiras para mulheres no Legislativo?

A favor de todas.

Política de redução para tratar dependentes de crack?

Essa questão é tão complexa. Isso será uma das minhas maiores dificuldades, além da questão do transporte. Hoje, a Prefeitura só trabalha com redução de danos, e tem a questão da abstinência, onde se faz um convencimento do usuário para aceitar atendimento nas comunidades terapêuticas. Elas têm um tripé de tratamento: trabalho, afastamento da droga e suporte religioso. A Prefeitura não faz isso hoje e eu gostaria de fazer.

Vai mudar a política de Covas?

Esse assunto é visto pelas pessoas de uma forma muito errada, tende a ser desvirtuado. Mas o que tenho a dizer é: em 2014, nós tínhamos 14 mil moradores de rua; em 2016, 24 mil, e pedi agora para contratar um novo censo que, possivelmente, deve chegar a um número próximo de 30 mil. A gente tem que cuidar dessas pessoas com amor verdadeiro. Podemos, para aqueles que queiram, oferecer uma comunidade terapêutica paga pela Prefeitura. Aquilo que eu puder fazer, usando bem o recurso público e atendendo mais pessoas, eu vou fazer.

Sobre a pandemia, vai liberar mais de 35% de alunos nas escolas em aulas presenciais?

A minha posição é a do comitê que trata disso na Prefeitura. Se o comitê falar que dá para elevar vamos fazer.

Mas essa decisão não é urgente? Nas escolas privadas o porcentual é maior, e os bares já podem ter 60% de ocupação.

A tendência é essa, de ampliarmos. Só não é possível dar uma data ainda. Em princípio, podemos fazer isso neste semestre, mas é preciso avaliar o impacto dessa variante nova da Índia. O que posso dizer é que, havendo segurança para a nossa rede, acho que temos de voltar para a escola.

A Prefeitura segue em negociação para comprar vacinas?

Sim, todos os dias cobro o secretário Edson Aparecido (Saúde). Esperamos resposta da Pfizer, que já firmou contrato com o governo federal.

Como estão as contas? O sr. vai aumentar a tarifa do ônibus?

A arrecadação do primeiro trimestre se manteve igual à do mesmo período do ano passado, mas há muita pressão sobre essa questão do transporte. Estamos trabalhando, e a tarifa não aumenta neste ano.

O Plano de Metas de Covas se mantém? O sr. fará os parques prometidos, como o Parque Minhocão e o Parque Augusta?

Sim, e o Parque Augusta vai se chamar Parque Bruno Covas. Todo o resto se mantém e há coisas que quero acelerar. Hoje, por exemplo, temos 1.180 pontos de wifi na cidade (grátis). O plano prevê 20 mil até 2024, mas quero antecipar. A retomada econômica, pós-vacinação, vai depender de gerarmos um polo fértil para o empreendedor, e a parte tecnológica é muito importante.

Como ex-vereador, o sr. espera mais facilidades na Câmara?

Mais facilidades não sei, mas a relação será boa. O vereador tem muito a contribuir. É ele que está no dia a dia da comunidade e sabe dizer quais são as prioridades. Vou manter contato direto com a Câmara, até para me subsidiar das coisas mais urgentes. Isso ajuda o governo e prestigia o vereador.

Como vê a gestão Bolsonaro?

Como uma gestão que trouxe muitos problemas ao País por não ter trabalhado melhor a questão da vacina e por ter discursos radicais. Sou absolutamente contra o radicalismo, tanto para a direita como para a esquerda. Acho que é um governo que tem um certo destempero, e isso é ruim.

O senhor votou nele?

No segundo turno, sim.

O senhor se arrepende?

Não, porque o concorrente dele era o Haddad e, naquele momento, não votaria nele.

Mas apoiou Haddad em 2012.

Sim, e participei dos dois primeiros anos como base de apoio. O MDB apoiou a candidatura dele contra José Serra (PSDB). Mas, nos dois últimos anos, nós rompemos em função da CPI do Teatro Municipal (que investigou fraudes).

Que tipo de relação vai buscar com Bolsonaro? As transferências de verbas para São Paulo, segundo Covas, tinham caído.

Esses problemas permanecem. Estamos há quatro meses sem receber os repasses para a área de assistência social. Agora, eu não vou fazer nenhuma ação político-partidária com o governo federal ou com o governo estadual. Se tiver de ter uma reunião com qualquer ministro do Bolsonaro, vou fazer pelos interesses da cidade.

O sr. defende uma frente partidária ampla contra a polarização Lula x Bolsonaro?

Eu, como prefeito, não vou participar de nenhuma discussão eleitoral neste ano. Agora, é lógico, até por ser do MDB, eu defendo que a gente sempre esteja alinhado politicamente com alguém de centro.

O MDB é um partidos de muitas correntes. Qual a sua?

No MDB de centro, que segue o posicionamento político do Baleia Rossi (presidente nacional). Nunca vi nem nunca falei com (José) Sarney, Renan (Calheiros), (Romero) Jucá. Tenho meu jeito próprio de fazer política. Apesar de estar no MDB desde os 18 anos, construí minha vida política de forma independente, sem padrinhos.

Isso lhe dá mais liberdade para trocar o MDB pelo PSDB?

Me dá liberdade, mas eu não penso nisso agora. Não teria por que ir para o PSDB, que, aliás, nunca me chamou. O governador João Doria nunca fez menção a isso, nunca tive conversa com ele sobre aliança partidária, nem quando virei vice.

Doria não agiu nesse sentido?

Nunca. Quem me convidou foi o Bruno Covas, foi uma escolha pessoal dele.

Qual o seu maior desafio?

Reduzir as desigualdades sociais e proporcionar a recuperação da economia para que possamos gerar empregos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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