Risco de revolta ameaça frágil recuperação democrática no Haiti

O assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moise, representa mais um duro golpe na combalida democracia haitiana. O violento desfecho do mandato de Moise deixa o país em uma situação delicada, na qual a transição de poder está ameaçada por pressões políticas e sociais, principalmente pelo risco de violência entre a população civil.

Antes mesmo do assassinato, o país vivia uma crise política. Moise chegou ao poder em uma eleição questionada por opositores, que apontaram fraude. Depois disso, o presidente tomou medidas impopulares e autoritárias, como a prisão de opositores e o fechamento do Parlamento, até que, em 2020, passou a governar por decreto. Eleições foram adiadas e protestos de rua pediam a saída de Moise.

Analistas ouvidos pelo Estadão apontam que sua morte violenta fragiliza ainda mais o processo democrático do país, cujas instituições podem não ter força o suficiente para garantir a continuidade do regime constitucional vigente.

“Esse assassinato mostra como as coisas saíram do controle no Haiti. É resultado de uma espiral de violência e falta de controle político, que amplia a instabilidade de um país que já estava instável, criando um quadro tão crítico e volátil que torna difícil prever as repercussões no curto e no médio prazos”, disse Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM-SP.

Três pontos serão cruciais para entender como será a continuidade do poder, segundo a professora: a intensidade da violência desencadeada pela morte do presidente nas ruas; a habilidade da classe política haitiana em coordenar a transição de poder e uma nova convocação de eleições, além da pressão internacional – principalmente do governo americano – quanto à legitimidade das decisões a seguir.

De acordo com Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP), a investigação policial da morte do presidente também será um aspecto a ser considerado pelos partidos políticos no momento de articulação da transição.

“Do ponto de vista do Estado, a principal preocupação agora é com a transição do poder. Mas, para isso, os líderes que vão conduzi-la vão ter de considerar o que é menos danoso: uma transição rápida, evitando a corrosão das instituições, ou a criação de um governo provisório até que o caso policial seja solucionado”, disse Maristela.

O primeiro-ministro do Haiti, Claude Joseph, decretou estado de sítio de 15 dias para “assegurar a continuidade do Estado”, depois de uma reunião de emergência com o conselho de ministros.

Apesar das dúvidas sobre a continuidade de um processo democrático no país, o professor de Relações Internacionais Rodrigo Gallo, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), defende que a saída institucional mais sólida seria por meio de um processo eleitoral. No entanto, a projeção do professor é de um cenário menos otimista.

“O Haiti é um país que tem um histórico de eleições marcadas e adiadas. Em uma situação como essa, de país dividido, de grupos que se acusam simultaneamente de corrupção e de fraude, eu acredito que dificilmente eles terão oportunidade para realizar uma eleição democrática e limpa”, analisou.

Gallo – que atualmente conclui uma tese de doutorado sobre a Missão de Paz da ONU, chefiada pelo Brasil, no Haiti – afirma que problemas primários que causam a instabilidade política no país não foram solucionados com a iniciativa internacional, o que contribui para a crise.

“Existem narrativas em disputa, mas o fato é que a ela (missão) foi encerrada e a situação sociopolítica pouco mudou desde então”, disse.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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