Tecnologia usada na Guerra ao Terror deixa era da hipervigilância como legado

As novas tecnologias de vigilância no pós-11 de Setembro aproximaram as sociedades das obras de ficção científica. Após duas décadas de Guerra ao Terror, o exercício da segurança direcionado aos conflitos internacionais foi incorporado a atividades comuns, enquanto as democracias ainda debatem o limite entre privacidade e proteção.

Publicado em 2019, um estudo do centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace, intitulado The Global Expansion of AI Surveillance (“A expansão global da vigilância por Inteligência Artificial”, em tradução livre) chamou a atenção para o crescente número de países desenvolvendo ferramentas de vigilância por Inteligência Artificial (IA) para monitorar cidadãos dentro uma ampla gama de objetivos políticos.

Essas ferramentas podem ser respaldadas por leis ou contrárias aos direitos humanos. O levantamento, um dos primeiros do tipo, apontou que 75 de 176 países estudados estavam utilizando tecnologia de vigilância por IA, incluindo plataformas de cidade inteligente e cidade segura, sistemas de reconhecimento facial e policiamento inteligente, segundo as classificações do índice.

Especialistas apontam a Lei Patriótica (Patriot Act), promulgada 45 dias após 11 de setembro de 2001, como símbolo da expansão da vigilância. Desde então, novas tecnologias tentam responder às novas ameaças, especialmente de grupos capazes de realizar ataques de menor porte, mas ainda assim provocar os efeitos do terrorismo, como explica o pesquisador do Núcleo de Violência da USP Alcides Peron, autor do livro American Way of War: Guerra Cirúrgica e o Emprego de Drones Armados em Conflitos Internacionais.

Entre essas tecnologias, estão sistemas de vigilância, de câmeras, de drones armados que não são vistos, outros que vigiam e produzem informações, sistemas biométricos que passam a ser testados em todos os lugares, assim como interceptação de dados telefônicos e cruzamento de informações.

“O que restou de tudo isso é um conjunto de tecnologias que serviu para administrar a produção de cercos e a gerenciar a circulação das pessoas e dos espaços urbanos. Tecnologias que aos poucos se diluíram no ambiente e se fizeram presente na vida cotidiana das pessoas”, explica Perón.

Mesmo com a grande explosão no desenvolvimento das novas tecnologias de vigilância, ainda é difícil determinar sua eficácia em capturar terroristas, segundo Margaret Hu, professora da Penn State Law. Para ela, ainda há um debate aberto sobre a utilidade dessas tecnologias e o combate ao terrorismo, assim como os riscos à privacidade.

Esse debate, na opinião de Hu e de Peron, ficou mais evidente após as revelações do ex-analista da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) Edward Snowden. Em 2013, quase 12 anos após o 11 de Setembro, o agente, que também trabalhou para a CIA, divulgou documentos detalhando os programas de vigilância em massa dos EUA.

Em parceria com Snowden, em 6 de junho de 2013, o jornal britânico The Guardian publicou uma reportagem sobre o armazenamento dos registros telefônicos de milhões de clientes da companhia americana Verizon. No dia seguinte, o jornal revelou o Prism, um sistema para recolher dados de gigantes da internet nos EUA, incluindo Google e Facebook. Foram as primeiras de uma série de revelações feitas por Snowden, que teve de se exilar na Rússia.

“Todos nós fomos reduzidos a algo como crianças, que seríamos forçados a viver o resto de nossas vidas sob a supervisão onisciente dos pais”, escreveu Snowden em seu livro de memórias, Vigilância Permanente.

Segundo Margaret, é preciso diálogo entre cidadãos, empresas e governos para estabelecer limites à tecnologia e ao armazenamento de dados. “Quanto maior a ameaça percebida pelo lado da segurança nacional, mais difícil é argumentar contra a vigilância”, afirma a professora. Para ela, em um estado de emergência, as empresas tendem a ser mais colaborativas com os governos.

“Precisamos estar cientes de que o limite entre segurança nacional e privacidade pode mudar, mas deve mudar seguindo alguns padrões segundo os quais, independentemente de estarmos em estado de emergência, os direitos à privacidade devem ser mantidos como direitos humanos fundamentais.”

Para alguns analistas, no entanto, a obsessão pela vigilância tem um bom custo-benefício. Um estudo do centro Chatham House, assinado pela especialista Kathleen McKendrick, pondera que o uso da inteligência artificial no combate ao terrorismo aumenta a habilidade dos Estados de proteger o direito à vida.

“A maioria dos países se concentra na prevenção de ataques terroristas, em vez de reagir a eles. Assim, a previsão é central para uma política de contraterrorismo eficaz. A inteligência artificial permite que maiores volumes de dados sejam analisados. Perceber padrões nesses dados que estariam, por razões de volume e dimensionalidade, de outra forma além da capacidade de interpretação humana.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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