‘Uns se contentam em estar por estar na NBA e esse não é o meu caso’, diz Felício

Atuar na NBA é o sonho de qualquer jogador. E Cristiano Felício conseguiu alcançá-lo e por lá permaneceu durante seis anos. Mas ficar apenas no banco ou, muitas vezes, não entrar em quadra nem um minuto, forçou uma atitude drástica do pivô de 29 anos. O brasileiro optou por deixar o Chicago Bulls antes do início da temporada 2021-2022 e ir para o Ratiopharm Ulm, da Alemanha, para retomar sua carreira.

O corte do grupo da seleção brasileira antes do torneio pré-olímpico para os Jogos de Tóquio, no fim de junho, foi decisivo para o ajuste de rota. Aleksandar Petrovic optou por pivôs que tinham atuado mais na temporada. Felício registrou apenas 18 jogos pelos Bulls, com somente 4,7 minutos em quadra. Era o momento de mudar de ares. “Todos querem jogar na NBA e jogar por lá por muitos anos, uns se contentam apenas em ficar no banco, estar por estar, e esse não é o meu caso”, afirmou o jogador, em entrevista ao Estadão.

Você tem médias de 12,4 pontos e 8,8 rebotes pelo Ratiopharm Ulm nesta temporada… Como foi o processo de adaptação ao basquete europeu?

Fui muito bem recebido por todos e, sem dúvidas, isso me ajudou bastante na adaptação, fez com que tudo fosse mais fácil. Fico feliz com os números, mas o mais importante pra mim é saber que estou colaborando para a equipe, um grupo unido, que gosta de jogar junto. Estamos crescendo ao longo da temporada.

Qual a principal diferença?

É uma cidade diferente, um país diferente, que em nada lembra a rotina e o dia a dia que eu tinha em Chicago. Claro, a língua é difícil, mas já aprendi algumas palavras. O jogo é mais cadenciado, o basquete europeu tem outro ritmo, mas consegui me adaptar bem, principalmente porque tivemos uma ótima pré-temporada. Estou gostando, é uma experiência diferente, um desafio novo e está sendo muito bom para mim.

Como você encarou sua ida para a Alemanha? Um retrocesso ou uma oportunidade de mostrar seu valor numa liga menor?

Tive propostas de equipes da Europa, da Ásia, mas gostei muito do que o Ulm me apresentou. Não encaro esta minha vinda para a Alemanha como um retrocesso e, sim, como um recomeço, uma nova oportunidade de poder fazer o que tanto amo. Nos últimos dois anos eu não vinha jogando e, com o corte da seleção brasileira, tive que fazer algumas escolhas para o meu futuro. Sair da NBA para a Europa no momento foi e está sendo a melhor opção para mim. Claro, todos querem jogar na NBA e jogar por lá por muitos anos, uns se contentam apenas em ficar no banco, estar por estar, e esse não é o meu caso. Então, sempre que uma oportunidade de jogar competitivamente aparecer, esta será a minha escolha.

O que te afastou da NBA?

Tive poucas oportunidades, poucos minutos de quadra nas últimas duas temporadas. Acho que isso acabou pesando para que eu deixasse os Bulls. Mas isso faz parte. Sou muito grato à franquia, aos meus companheiros, aos fãs, Chicago é a minha segunda casa, onde cresci muito como jogador e vou levar isso comigo por toda a minha vida.

Acredita que ainda pode voltar a jogar na NBA ou não faz mais parte do seu plano?

A NBA sempre faz parte dos planos de qualquer jogador, mas, neste momento, o meu foco está todo aqui, em seguir fazendo uma boa temporada pelo Ulm, ajudando a equipe. Claro que, se surgir uma nova oportunidade de voltar para a NBA, vou sentar com os meus agentes e avaliar. Hoje minha cabeça está aqui e, claro, em seguir, sempre que tiver oportunidade, defendendo a seleção brasileira.

Há um plano para os próximos anos, seguir na Europa, voltar ao Brasil?

Nesse momento, estou pensando apenas aqui na Alemanha. Estou focado em fazer o meu melhor, em ter uma grande temporada, retribuir o carinho de todos aqui, equipe, companheiros, fãs, ajudar o time, que me deu a oportunidade de jogar novamente, a ter um grande ano, devolver toda a confiança que depositam em mim.

Como vê jogadores mais jovens do que você, como o Bruno Caboclo, optarem por voltar ao basquete brasileiro?

Acho que não tem a ver com idade e, sim, com o momento e os planos dos atletas. Bruno é um jogador internacional, mostrou sua qualidade na NBA, teve uma ótima passagem na França, e está muito bem no São Paulo. É um jogador que tem uma carreira longa pela frente e torço muito por ele.

Você foi chamado pelo Gustavinho logo na primeira convocação… O que conversou com ele? O que ele te pediu neste ciclo que está começando até Paris-2024?

Gustavo é um técnico que conversa bastante com os jogadores. Tivemos pouco tempo de preparação para esses jogos contra o Chile, foram alguns dias de treino apenas, então o que falamos mais foi sobre foco e intensidade. Temos um caminho longo até Paris-2024, não podemos ficar pensando só lá na frente, precisamos dar um passo de cada vez, trabalhar duro para que a equipe evolua a cada etapa, entrosamento, sintonia, confiança, para que a gente alcance os objetivos, entre eles, estar nas Olimpíadas.

Era o momento de um treinador brasileiro assumir o comando da seleção?

Gustavinho merece esta oportunidade. É um técnico que, apesar de ainda jovem, tem uma bagagem importante, inclusive internacional, vem conquistando excelentes resultados e fico feliz em ver um técnico brasileiro à frente da nossa seleção.

Falando um pouco do antecessor do Gustavinho, você foi cortado pelo Petrovic às vésperas do pré-olímpico em que o Brasil não se classificou para Tóquio… O que aconteceu?

Foi uma decisão do treinador. Não tenho muito o que falar sobre isso.

Como tem cuidado do seu lado psicológico em meio a tantas mudanças?

Sou um cara bem tranquilo, consciente de tudo o que acontece ao meu redor e muito crítico, muito exigente comigo mesmo. Procuro aprender com todas as situações, não só potencializar os bons momentos, mas nas adversidades também, isso tudo é importante para o meu crescimento pessoal e profissional. Hoje estou muito bem, feliz por estar jogando um bom basquete e bem à vontade aqui na Alemanha.

Como você vê o atual momento da pandemia na Alemanha? Os jogos de futebol, por exemplo, estão sem público em algumas cidades?

Ainda vivemos um período delicado, que inspira cuidados, por conta da pandemia, não apenas aqui na Alemanha, mas no mundo inteiro. Tenho tomado todos os cuidados, seguimos todas as orientações e protocolos da equipe, do campeonato, usando máscara, evitando aglomerações, fazendo testes periodicamente. Ainda estamos num momento de atenção e não podemos descuidar, é para o bem de todos, para que possamos passar por essa pandemia e voltar a ter uma vida normal.

Recentemente tivemos uma polêmica no vôlei, com o Maurício Souza, sendo demitido do Minas por causa de declarações homofóbicas… Como você vê esta questão da intolerância ainda existir?

É muito triste ver que isso ainda acontece nos dias de hoje e ver pessoas suportando este tipo de declarações como se fosse certo. Palavras como estas podem e já fizeram com que muitas pessoas perdessem vidas, só por escolher ser uma pessoa que tem todo o direito de ser. Eu já vi de perto como é tudo isso e muita gente não sabe o quanto dói nas pessoas ter que ouvir certos tipos de palavreados e críticas. Vivemos em um mundo diferente, mais aberto, é só cabe a nós respeitar uns aos outros independentemente das diferenças que temos. O respeito sempre vem em primeiro lugar. Só assim vamos viver em um mundo melhor, só assim vamos diminuir a violência, só assim conseguiremos viver em paz e sem medo.

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