Voto pulverizado na Alemanha ratifica fragmentação da política na Europa
A eleição de amanhã será mais uma disputa entre o Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda, liderado por Olaf Scholz, e a União Democrata-Cristã (CDU), de caráter conservador, de Armin Laschet e Angela Merkel, que governou a Alemanha nos últimos 16 anos. A novidade é que os dois partidos terão cerca de 25% dos votos cada um, segundo pesquisas, o que obrigaria o vencedor a buscar apoio de outras forças para formar um governo no Parlamento.
Nos últimos anos, o SPD e a CDU, os dois pilares da política alemã no pós-guerra, ganharam a concorrência de novas forças, como a onda dos ambientalistas, capitaneada pelo Partido Verde, que vem ganhando votos à esquerda, e os nacionalistas da Alternativa para a Alemanha (Afd), de extrema direita, que se tornaram uma opção para os eleitores ultraconservadores.
A decadência do bipartidarismo europeu, que nos últimos 50 anos foi marcado pela rivalidade entre socialistas e conservadores, e a tendência de fragmentação política são fenômenos que vêm sendo registrados em vários países da Europa. Na última eleição da Holanda, em março, 17 partidos conseguiram eleger deputados para a Câmara Baixa do Parlamento – um recorde.
Na França, o caso é parecido. Durante décadas, a política foi dividida entre os gaullistas, de centro-direita, e os socialistas. Na última eleição presidencial, em 2017, nenhum dos dois campos sequer chegou ao segundo turno. Emmanuel Macron, um liberal de centro, se elegeu com o slogan “nem de direita, nem de esquerda”. Sua maior rival foi Marine Le Pen, da Frente Nacional, um partido nacionalista de extrema direita rebatizado de União Nacional.
Nos países escandinavos, a fragmentação também é regra. A Noruega, que tinha cinco partidos no Parlamento, nos anos 70, hoje tem dez. Na Suécia, eram cinco, hoje são oito. Atualmente, a Dinamarca tem dez partidos com representação legislativa, o dobro do que tinha em 1971.
Na Espanha, a fragmentação chegou ao ponto de complicar a formação de governos. As duas forças mais tradicionais, o Partido Popular, de centro-direita, e o Partido Socialista, de centro-esquerda, ainda são as mais fortes. No entanto, o primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, precisou de quatro eleições em quatro anos para fechar, no ano passado, uma coalizão minoritária com a esquerda radical do Podemos.
Durante muito tempo, os alemães pareciam imunes ao fenômeno da pulverização política. A Alemanha era caracterizada pela coesão e pelos mandatos longos de seus chanceleres: Konrad Adenauer governou por 14 anos (1949-1963), Helmut Kohl, por 16 anos (1982-1998), e Angela Merkel está à frente da maior economia da Europa desde 2005.
“Pela primeira vez na história do pós-guerra, o próximo chanceler da Alemanha virá de um partido que teve bem menos de um terço dos votos”, disse Christian Lindner, líder dos liberal-democratas (FDP), em entrevista ao Financial Times. “Isso significa que a Alemanha, finalmente, está se tornando parte do mainstream europeu.”
Para muitos analistas, a fragmentação é uma ameaça à democracia. A segmentação excessiva dá poder de veto a mais atores políticos dentro dos Parlamentos nacionais, dificultando o consenso e as tomadas de decisões, o que eventualmente pode aumentar a frustração dos eleitores.
“As democracias são, muitas vezes, meio bagunçadas. Mas o tipo de fragmentação que ocorre hoje na Europa está ultrapassando os limites”, escreveram Andrea Kendall-Taylor, diretora do Center for a New American Security, e Alina Polyakova, do Centro Europeu de Análise de Políticas, em artigo no Washington Post. “O risco da frustração com a falta de resultados é os eleitores buscarem modelos mais autoritários, como os de Rússia e China.”
Outra desvantagem do surgimento de novos partidos é que muitos são criados em torno da figura de um líder – e não de ideias -, o que também enfraquece a democracia. Na Europa, isso ocorreu na Hungria, com o Fidesz, partido de Viktor Orban, e na Polônia, com o Lei e Justiça, de Jaroslaw Kaczynski.
“Mas a fragmentação política não precisa ser necessariamente uma coisa ruim”, afirma Pawel Zerka, analista do European Council on Foreign Relations. “Ela também contribui para tornar o debate político mais plural, respondendo melhor às ansiedades dos eleitores.”
Segundo Pepijn Bergsen, pesquisador da Chatham House, a fragmentação seria uma evolução natural da sociedade europeia. Para ele, os partidos tradicionais não refletem mais as opiniões de um eleitorado mais sofisticado e diversificado. “Os partidos foram criados para um sistema político definido pelas diferenças econômicas”, disse. “Agora, a política também tem relação com cultura e identidade.”
Para Herfried Münkler, professor de ciências políticas da Universidade Humboldt, de Berlim, a instabilidade causada pela fragmentação fará com que os alemães dificilmente tenham outro chanceler que governe por tanto tempo, como Merkel. “Estamos entrando em uma era de polarização, de conflitos muito mais intensos sobre coisas mais complexas, como tornar nossa economia sustentável e o tamanho da dívida que a Alemanha deve assumir”, disse. “Isso é um ruptura com a era Merkel, uma época de moderação e calma.” (Com agências internacionais)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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