‘Vovôs da bola’, Zico, Pepe e Gerson trocam a aposentadoria por canais de YouTube
Aos 86 anos, Pepe tem uma extensa lista de títulos dentro das quatro linhas. Foi bicampeão do mundo em 1958 e 1962 e fez parte do maior time da história do Santos jogando ao lado de Pelé. Um pouco mais novo, Gerson foi um dos destaques na conquista da Copa do Mundo de 1970 e um dos maiores nomes da história do Botafogo. Jogou ainda no Flamengo, São Paulo e Fluminense. Agora, aos 80, sua praia tem sido o canal “Canhotinha 70”. Ali ele comenta jogos, fala do noticiário dos clubes e passa para o seu público a experiência de décadas no futebol.
O caçula dessa turma é Zico. Aos 68 anos e com nove netos na família, o Galinho de Quintino também dá o seu recado por meio do canal “Zico 10”. Presente nos Mundiais de 1978, 1982 e 1986, o maior artilheiro da história do Flamengo e do Maracanã também faz sucesso com seus quadros e as histórias que marcaram a sua vitoriosa carreira no futebol.
Em um tempo em que o mundo vive um período caótico em função dos efeitos da pandemia da covid-19, buscar entretenimento na internet tornou-se uma forma mais segura de se divertir sem se expor aos perigos da contaminação do vírus. Em entrevista ao Estadão, Zico contou que o poder de penetração e a chance de dar o recado a um maior número de pessoas foram os motivos que o levaram a se aventurar no mundo da web. E gostou.
“É uma ferramenta importante que você tem para colocar as suas ideias. Se você tem um canal, um local onde pode se expressar, as pessoas estão te vendo. Isso é importante. Desde o início, eu procurei utilizar bem a ferramenta. Quando surgiu Instagram e YouTube facilitou mais”, afirmou o ex-jogador do Flamengo, que deu seu pontapé nas redes sociais na época do Orkut.
Com uma imagem construída em cima da carreira no Flamengo e na seleção brasileira, Zico foi procurado por uma agência e essa união turbinou o seu canal na internet que hoje tem mais de 1,5 milhão de inscritos. Longe de explorar polêmicas e fatos sensacionalistas, ele busca no seu espaço o entretenimento por meio de histórias curiosas do futebol e também entrevistas com ídolos do esporte.
“Fui procurado por uma agência que falou da importância do YouTube. Eu estava no Brasil com espaço e tempo e as coisas foram fluindo. Lógico que o meu tempo de futebol me dá abertura em muitos lugares. Seja no futebol, no esporte em geral, na música, na TV… Nosso objetivo sempre foi que as pessoas contassem algo curioso, nunca gostei de polêmica. Então nosso canal foi crescendo assim. Se hoje temos 1,5 milhão de inscritos é porque ganhamos credibilidade e as pessoas gostam dos entrevistados”, disse Zico direto do Japão, onde está trabalhando como coordenador técnico do Kashima Antlers.
O jornalista e youtuber Bruno Torelly, também conhecido como Vegeta, é uma espécie de braço direito do ex-craque do Flamengo. “É uma relação paternal. Muitas pessoas acham até que sou filho dele. Quando criança, joguei no CFZ (Centro de Futebol do Zico), mas depois o tempo passou e acabamos trabalhando juntos. No início, tive medo de decepcioná-lo, pois sempre foi meu ídolo. Mas o Zico é muito simples, antenado, se vira bem nas redes sociais e assiste muitos canais de YouTube para aprimorar o seu trabalho”, disse Torelly.
E, de fato, o ex-jogador do Flamengo adora ver o que veteranos da bola gostam de aprontar na internet. “Converso mais com o Gerson, que trabalha com o pai do Bruno (Torelly) na rádio. Mas acompanho muito o Pepe. Ele tem histórias fantásticas. Algumas eu até já contei no meu canal. É bacana quando você, independentemente da idade, tem a possibilidade de passar alguma coisa para as pessoas”, afirmou Zico.
O MAIOR OLDTUBER DO BRASIL – Com perfil um pouco diferente, o mais velho da turma também se aventura nos canais de YouTube. Mas para isso, ele conta com a vigilância e proteção da filha Gisleine. O bom humor é a principal característica do ex-ponta santista Pepe. Prova disso é como ele mesmo se define na manchete do canal: o maior “oldtuber” (uma espécie de vovô youtuber) do Brasil. Os vídeos são curtos e o cenário normalmente é na sua casa. Direcionado por Gisleine e pelo jornalista Arnaldo Hase, Pepe usa a rede social como passatempo.
“O meu pai é o autêntico vovô da internet. Adora palavras cruzadas e não sabe direito do que se trata o YouTube. Nós é que cuidamos do canal. Ele adora, assiste, se diverte, mas não sabe nada de tecnologia. Nem celular tem. Não se interessa por coisas eletrônicas, mas está na internet”, comentou a filha Gisleine ao Estadão.
Ela é a responsável também por administrar o Instagram e o Facebook do pai. Da “reunião” familiar surgem as ideias para Gisleine escrever e bolar os roteiros que serão gravados para o canal. “Mostro as contas na rede social, a gente conversa, falo o que vou escrever, procuro saber a sua opinião e repasso o que ele pensa. Mas papai não sabe digitar. Procuro responder às pessoas que mandam perguntas por mensagem, eu mesmo respondo me identificando como filha dele. As questões mais interessantes eu passo para o meu pai e digito a resposta dele. Sozinho, ele não mexe”.
Gisleine conta que fatos engraçados já aconteceram com Pepe durante suas incursões nas redes sociais. “Por exemplo, já fiz lives com ele no Instagram e quando as pessoas fazem perguntas, ele quer saber onde a pessoa está. Ele fica espantado em poder falar ao vivo com pessoas às vezes de lugares distantes. Isso é uma diversão para meu pai”.
A pandemia acabou interrompendo a rotina de gravações do canal, mas segundo Gisleine, as atividades devem ser retomadas, até porque Pepe gosta muito da iniciativa. “Meu pai adora gravar, gosta muito do Arnaldo e eu também estou junto o tempo todo. Como ele tem facilidade para se expressar, os vídeos saem sem problema. É uma coisa prazerosa para ele. A gente assiste e mostra o material editado. Ele acha bem interessante o processo final. Agora que meu pai tomou as duas doses da vacina contra a covid-19, vamos retomar as gravações”.
Com 80 anos recém-completados em janeiro, Gerson trafega com tranquilidade na área da comunicação esportiva desde que encerrou a carreira em meados dos anos 70, no Fluminense. E, a experiência como comentarista em anos de televisão e rádio ajuda Gerson a falar a língua do torcedor a bordo do seu canal “Canhotinha 70”. Na carona do bordão “sem vinheta eu não entro e sem like eu não comento”, o ex-jogador dá sinal para o início do programa. A trilha que embala a abertura é da música Pra frente Brasil, que logo nos remete à Copa de 70, onde a seleção de Zagallo conquistou o tricampeonato mundial.
Após a breve introdução, ele tece comentários sobre os lances e detalhes da partida, fala sobre quem foi bem ou quem decepcionou sempre de uma forma direta e efusiva. No vídeo promocional do canal, Gerson trata de dar o seu recado e apresenta as atrações. Entre os quadros citados no vídeo estão “A resenha do Canhota”, “O Canhota responde”, “O Baú do Canhota” e ainda convidados especiais.
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