Certificação de orgânicos exige mudança na conduta do produtor em cuidados ambientais
Deixar de usar agrotóxicos em um cultivo não é o suficiente para que ele seja considerado orgânico. Mais do que isso, o agricultor precisa adotar uma nova forma de administrar a propriedade, levando em conta os cuidados com solo, água, áreas de mata nativa, práticas de manejo, destino do lixo e também as condições de trabalho das pessoas no meio rural.
Segundo André Luis Miguel, coordenador estadual do programa Agroecologia, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná-Iapar-Emater (IDR-Paraná), a certificação tem como objetivo assegurar para o consumidor que as normas e os princípios foram seguidos na produção dos alimentos.
“É uma garantia de que aquele produto que tem em mãos seguiu toda a legislação, que não foram utilizados agrotóxicos ou insumos químicos na sua produção, que foi produzido preservando o meio ambiente, promovendo a biodiversidade e respeitando os direitos trabalhistas”, afirma.
O agricultor ganha com a certificação, pois tem acesso a novos mercados e seu produto é mais valorizado. No entanto, muitos ainda enfrentam dificuldades para obter a certificação de suas propriedades. Além das exigências da legislação, eles reclamam do custo do processo.
O Governo do Estado conta com um programa que apoia aqueles interessados em conseguir a certificação – o Paraná Mais Orgânico. É uma iniciativa da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), junto com o IDR-Paraná, Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e universidades estaduais. O programa incentiva e facilita a regulamentação das propriedades, inclusive diminuindo os custos para os produtores. O Paraná Mais Orgânico é aberto à participação de todos os produtores.
CERTIFICAÇÕES – A certificação participativa está presente em 60% das propriedades com selo de produção orgânica no Paraná. Nesse modelo são formados os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (Opac), que funcionam como certificadores. Os Opac são compostos pelos próprios agricultores, técnicos e consumidores.
Os agricultores visitam uns aos outros, podendo compartilhar ideias e conhecimento para resolver os problemas que surgem durante a produção. O compromisso entre os integrantes do grupo assegura a qualidade dos produtos, pois se algum deles cometer uma inconformidade severa, todos perdem a certificação. Esse fator aumenta o controle interno e a segurança da produção.
A Rede Ecovida é a principal certificadora desse modelo no Estado e o valor para os produtores fica entre R$ 500 e R$ 700 por ano. “Na certificação participativa você aprende muito porque a ação se estende a outros grupos e é possível conhecer a experiência de outros produtores, aprender com a vivência que ainda não se tem. A certificação participativa educa o produtor. A Rede Ecovida me ensinou a trabalhar”, declarou Adair Andrade de Souza, produtor orgânico desde 1992.
Ele afirma que o custo da certificação não é alto, diante do benefício para o agricultor. “Sem a certificação eu não poderia vender os produtos como orgânicos. E esse processo coloca a produção num outro nível”, acentuou. Andrade produz alho e outras hortaliças vendidos em três feiras de Curitiba, além de entregar para a alimentação escolar.
AUDITORIAS – Outro modelo de certificação à disposição dos produtores é o selo concedido via auditagem, feita por empresas contratadas, pelo Tecpar e os Núcleos de Agroecologia distribuídos pelo Estado (a Estação Agroecológica CPRA, em Curitiba; o IDR-Paraná de Ivaiporã e sete universidades estaduais), responsáveis pelas auditorias. Esse modelo corresponde a 40% das propriedades certificadas no Estado.
Além disso, há outras empresas, como o Instituto Biodinâmico (IBD) e o Ecocert, que fazem o mesmo trabalho. Nesse modelo, o produtor recebe a visita de profissionais que verificam se a propriedade está seguindo todos os preceitos da produção orgânica e indicam as adequações a serem feitas para que consiga a certificação. Os produtores também contam com a orientação dos extensionistas do IDR-Paraná para colocar em prática os fundamentos da agricultura orgânica.
Os agricultores atendidos pelo programa Paraná Mais Orgânico conseguem a certificação pelo Tecpar de forma gratuita. Mas, para outros produtores, o custo do processo feito por auditagem pode se situar entre R$ 1.500 e R$ 2.000 por ano.
Os valores variam de acordo com o tipo de produção (vegetal, animal ou agroindustrial), área cultivada e, principalmente, da necessidade de deslocamento do auditor. “É possível conseguir valores menores, até uns R$ 800 por ano, mas aí são grupos de produtores que dividem os custos das despesas com o auditor”, explicou André Luis Miguel.
Para o agricultor que deseja produzir orgânicos e vender em circuitos curtos (feiras, compras institucionais e venda direta ao consumidor), a melhor alternativa é participar de uma Organização de Controle Social (OCS). Nesse caso, o produtor não tem a certificação mas, por meio de um registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, consegue comprovar que segue os preceitos da produção orgânica.
APRENDIZADO – Na opinião de Paulo Lizarelli, coordenador do Núcleo Vale do Ivaí do Programa Paraná Mais Orgânico, a certificação ainda é um entrave para muitos produtores, não só pelos custos, mas porque exige uma mudança de atitude. “A partir do momento em que o agricultor decide trabalhar com a produção orgânica ele vai ter que aprender novas tecnologias, adequar equipamentos, adaptar a propriedade para atender a legislação, tem que saber quais produtos e insumos pode usar, terá que registrar todas as operações feitas na propriedade e apresentar documentos”, enumerou. “Nem sempre o agricultor domina esse conhecimento e é nesse ponto que o programa Paraná Mais Orgânico pode ajudar.”
Até receber o certificado de produtor orgânico, o agricultor passa por um processo longo e intenso, que não se restringe a eliminar o agrotóxico na propriedade. Lizarelli explica que será preciso comprovar o uso somente de produtos e insumos permitidos por lei. Adubos químicos sintéticos de alta solubilidade e transgênicos são proibidos na produção orgânica.
A área com agricultura orgânica deve ser isolada por barreiras para evitar a contaminação por agrotóxicos ou pólen de plantas transgênicas de outras propriedades. É preciso mudar o perfil da gestão da propriedade, ter um plano de manejo, determinando qual a área destinada à produção orgânica e que produtos serão cultivados. É necessário também ter um caderno de campo onde se anotam todas as operações feitas na propriedade como a aplicação de insumos (quantidade, data, custos), destino do lixo, e outras.
Se tiver irrigação, é preciso possuir a outorga da água, emitida pelo Instituto Água e Terra (IAT), documento que autoriza o uso de águas superficiais ou de poços. Os pequenos produtores podem conseguir a dispensa desse documento. Essa exigência vale também para a água usada na lavagem dos produtos.
Júlio Bittencourt, do IDR-Paraná de Curitiba, lembra, também, que nos sistemas orgânicos tudo está relacionado. “Solo, água, plantas, organismos e o que o agricultor realiza de práticas agrícolas interfere em todos esses elementos e fatores”, afirmou. Ele acrescenta que o confinamento de animais, por exemplo, não é permitido no modelo orgânico.
Áreas de pastagem devem ter árvores para fazer o sombreamento dos animais e, se o rebanho recebe ração, 80% do volume precisa ser orgânico e sem transgênicos. André Luis Miguel destacou, ainda, que para conseguir a certificação, o produtor deve observar questões sociais e trabalhistas, além de implementar ações de preservação dos recursos naturais.
IDEOLOGIA DO BEM – Cleber Cristiano Gasparin tem propriedade em Rio Branco do Sul, onde cultiva hortaliças no sistema orgânico desde 1999. Ele vende a produção em feiras e mercados e também entrega para empresas. Para o produtor, a certificação é fundamental no comércio. “O maior ganho é ficar livre dos agrotóxicos, tanto para nós produtores como para os consumidores. E isso não tem preço”, destacou o agricultor.
Gasparin afirmou que o processo para conseguir a certificação não foi complicado. “No começo foi difícil para a gente se adequar, você acha que não vai conseguir produzir e, no final das contas, você consegue”, disse Gasparin. “Uma das partes mais complicadas é a burocracia, fazer anotação no caderno de campo: o que plantou, o que colheu. É muita informação. Trabalha e anota tudo, o tempo todo”, completou.
Na opinião de Adair de Souza, os inúmeros encontros exigidos para a certificação participativa leva o produtor a se identificar com o que ele chama de “ideologia do bem”. “Trabalhamos todos os aspectos da produção, aprendemos a não separar o homem da terra, a produzir e deixar a propriedade em harmonia para as novas gerações, porque se o homem se separar da terra ele só causa destruição”, afirmou o produtor.
Da AEN