Código da Mulher Paranaense chega ao 1º ano com avanços e desafios pela frente

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Há um ano as mulheres paranaenses têm acesso mais fácil ao conhecimento dos seus direitos. Nesta sexta-feira (11), é celebrado o aniversário do Código Estadual da Mulher Paranaense (CEMP), documento que consolidou toda a legislação estadual pertinente aos direitos femininos. Fruto de um trabalho que teve a autoria de todas as dez deputadas da Assembleia Legislativa do Paraná, junto a 22 parlamentares homens, o texto é sedimentado na crença de que só é possível conhecer e exercer direitos quando não há entraves para o seu acesso.

O que era antes uma legislação difusa e dispersa, se cristalizou num texto único: a Lei n.º 21.926/2024. A consolidação promovida pela Assembleia Legislativa, junto a corporações e órgãos públicos, harmonizou 99 normas, atualizando e corrigindo erros de ambiguidade e de texto. Foram englobadas leis que tratam do combate à violência, do preconceito, do apoio às vítimas e da promoção da saúde. Neste último ano, sete novas leis foram incorporadas ao Código.

“A gente facilitou para a sociedade. O Código dá transparência às leis, que agora são fáceis de serem acessadas, encontradas num lugar só. Antes você tinha muitas leis soltas”, explica a deputada Márcia Huçulak (PSD), que presidiu a Comissão que se debruçou sobre o CEMP. “Facilita para os gestores, para a sociedade e para quem busca esse conhecimento”.

Um ano após a promulgação, as dez deputadas do Legislativo estadual refletem sobre como o Código da Mulher incentivou medidas semelhantes a nível municipal e reforçou direitos, mas também enfrenta desafios como a maior circulação entre as mulheres, problemas orçamentários e o dever de fazer frente aos índices de violência doméstica no Estado, especialmente em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos.

Inspiração às cidades paranaenses

Primeira autora e depois relatora do projeto, a deputada Mabel Canto (PSDB) se surpreende ao ver a influência da Lei n.º 21.926 nas cidades do Paraná neste primeiro ano. “Várias prefeitas e vereadoras relataram que utilizaram o Código, e, que, inclusive, estão utilizando a nossa codificação como exemplo para criar legislações municipais”, destaca.

Em diferentes pontas do Estado, Maringá (com Código da Mulher Maringaense, compilação de leis divulgada em abril) e Paranaguá (com o Código Municipal da Mulher de Paranaguá, aprovado em agosto e aguardando sanção) são exemplos de cidades que atuaram para consolidar direitos da mulher nos últimos meses em textos únicos – a exemplo da Alep.

“Nosso esforço é para que o Código chegue cada vez mais longe. É fundamental que cada mulher paranaense conheça seus direitos”, aponta a deputada.

Desafios para efetivar as leis nas pequenas e médias cidades

A deputada Maria Victoria (PP), segunda-secretária da Alep, enxerga a potência do Código, sobretudo nas pequenas e médias cidades do Paraná – tanto para propagar os direitos entre as mulheres como para os gestores públicos os aplicarem. “Tivemos avanços, mas é fato que as mulheres ainda enfrentam desafios diários. Precisamos capacitar e ampliar as redes de atendimento, que envolvem saúde, segurança e assistência social para atuar de forma integrada e humanizada”, pontua.

A falta de delegacias especializadas ou equipes multidisciplinares para atender a mulher em municípios menores é um dos fatores que dificulta a articulação de uma rede de apoio que coloque o Código na prática, acredita a deputada Flávia Francischini (União), primeira vice-presidente da Assembleia Legislativa. “Muitas vezes, essas leis ficam restritas ao papel ou ao conhecimento de quem está dentro da Justiça ou da política. Precisamos romper essa barreira. O Código precisa ser conhecido pelas mulheres, pelas lideranças comunitárias, pelos gestores municipais”, destaca.

A capacitação de novos profissionais é um dos caminhos vislumbrados pela Secretaria de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa para o fortalecimento do CEMP. “É necessário fortalecer a formação de agentes públicos e gestores para que possam aplicar e interpretar essas leis de maneira eficaz e sensível às realidades diversas das mulheres paranaenses”, enfatiza Leandre Dal Ponte, titular da pasta.

O cenário de desafios nas pequenas cidades desenhado pelas deputadas conversa com um estudo recente conduzido pela consultoria Tewá 225 ranqueia cinco cidades do Paraná entre as 100 piores do Brasil para ser mulher: Paranaguá (1ª), Ponta Grossa (10ª), Guarapuava (70ª), Araucária (78ª) e São José dos Pinhais (99ª). A pesquisa, restrita a cidades com mais de 100 mil habitantes, considera dados de 2024 referentes a taxa de feminicídios, presença de vereadores, desigualdade salarial por sexo e presença de mulheres jovens que não trabalham nem estudam.

A problemática também é sugerida pelas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Paraná referentes ao último ano. O boletim aponta taxas significativas de feminicídios – quando a mulher é assassinada em contexto de violência doméstica – em pequenos e médios municípios. Ponta Grossa, com quase 360 mil habitantes, teve oito das 108 mulheres vítimas fatais da consequência maior do machismo. Bandeirantes (três feminicídios e 31 mil habitantes), Toledo (três casos e 150 mil habitantes), Marialva (dois casos e 44 mil habitantes), Pinhais (dois feminicídios e 127 mil residentes) e Sarandi (dois feminicídios e 118 mil habitantes) também ocupam parcelas significativas no índice.

Na perspectiva da deputada Luciana Rafagnin (PT), a falta de recursos é o principal empecilho para efetivar muitas políticas públicas do Código. Ela cita problemas na aplicação da lei 21.617/2023, de sua autoria, que prevê salas de acolhimento à mulher nas delegacias do Paraná. “Em todo o estado, existem 389 delegacias de polícia e apenas 20 unidades especializadas no atendimento às mulheres em situação de violência”, denucia.

A deputada Marli Paulino (SD) realça a importância do trabalho parlamentar para superar lacunas nas quais o Código esbarra. “É de suma relevância o esforço contínuo da reforma legislativa, do aporte em investimentos na infraestrutura judiciária, e na propagação sobre a conscientização dos direitos dos cidadãos”.

Do Plenário às mãos das mulheres

Desde a sanção da Lei n.º 21.926, a procuradora especial da Mulher da Alep, deputada Cloara Pinheiro passou a cultivar um novo hábito de trabalho. “Quando uma nova procuradora da mulher assume, nós entregamos exemplares do Código Estadual da Mulher Paranaense para ela e sua equipe. É uma forma de divulgarmos o material em nossas mais de 182 procuradorias da mulher espalhadas pelo Paraná”, destaca.

Hoje o documento com a consolidação das também está acessível a toda sociedade virtualmente, encontrado nas páginas oficiais do Governo do Estado e da Alep. O texto também ganhou versão física, em formato de livro, impresso pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná (Fecomércio PR). A Assembleia Legislativa também está produzindo exemplares para ampliar a distribuição, de acordo com a deputada Mabel Canto.

No entanto, as deputadas consentem que, para além de fazer a legislação penetrar no Poder Público e capacitar os gestores, é necessário fazer o Código circular nas mãos das mulheres. “Temos cartilha, redes sociais, ações da Assembleia, mas ainda falta capilaridade. Ele ainda não está no posto de saúde, na escola, na igreja, nas associações de bairro, onde de fato a mulher está”, ressalta a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Cantora Mara Lima (Republicanos).

Constante lapidação

A revisão e o aprimoramento das leis promovida durante a tramitação auxiliou na efetivação de direitos, percebe a deputada Ana Júlia (PT). “Recebemos relatos de que, graças ao Código Estadual da Mulher, o direito das mulheres de serem acompanhadas em consultas e exames médicos começou a ser efetivamente respeitado”, afirma. Ela destaca que, antes da implementação do código, o direito era frequentemente negado pois a legislação o restringia a idosos e menores de idade.

Texto vivo e moldável conforme a sociedade se transforma, o Código Estadual da Mulher recebeu sete novas leis desde a sua sanção. Foi incorporado como direito da mulher a reserva de assentos exclusivos para mulheres no transporte intermunicipal no Paraná (22007/24), a carteira de pré-natal identificada como de alto risco (22.341/25) e também a Campanha Depiladora Amiga (22.168/24), para incentivar profissionais da depilação a conscientizar mulheres sobre identificação precoce de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e denúncia de casos de violência doméstica.

Também foram incluídas normas para aprimorar o combate à violência doméstica. É o caso da lei que permite a versão digital do Botão do Pânico (22.166/24), do regramento que encaminha também sentenciados em regime fechado para programas reflexivos sobre violência doméstica (22.113/24) e o a norma que determina aos policiais delimitarem locais de aproximação proibida ao ofensor em caso de medida privativa e indagar a vítima sobre a opção de abrigo ou auxílio-aluguel (22322/25).

Por fim, a lei 22022/24 alterou a distribuição de vagas no Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM) na área responsável pela política pública do planejamento.

“Transformar dor em política”: relembre a tramitação

Tudo começou em agosto de 2023, quando a deputada Mabel Canto (PSDB), líder da Bancada Feminina, deu entrada no projeto na Assembleia. A primeira versão consolidava 62 leis paranaenses. Atentando a novidades legislativas no Brasil, Canto se inspirou em estados como o Amapá e São Paulo, que já tinham consolidado a legislação dos direitos da mulher. “Muitas vezes ouvimos o conselho ‘conheça seus direitos’, mas como fazer isso se essas informações estavam dispersas?”, resume a deputada Cristina Silvestri (PP) sobre os desafios da época.

Logo, o trabalho ganhou outros autores. Além das deputadas citadas no texto, também assinam o projeto os deputados estaduais Batatinha (MDB), Professor Lemos (PT), Moacyr Fadel (PSD), Adão Litro (PSD), Paulo Gomes (PP), Do Carmo (União), Luis Corti (PSB), Requião Filho, Luiz Fernando Guerra (União), Marcel Micheletto, Ney Leprevost (União), Tercílio Turini (MDB), Denian Couto (Podemos), Goura (PDT), Arilson Chiorato (PT), Hussein Bakri (PSD), Fábio Oliveira (Podemos), Ademar Traiano (PSD), Delegado Jacóvos (PL), Gilberto Ribeiro (PL) e Luiz Claudio Romanelli (PSD). Também têm autoria os então deputados Marcel Micheletto (PL), Douglas Fabrício (Cidadania).

O texto ganhou a robustez das análises da Defensoria Pública do Paraná (DPE-RP), do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), do Ministério Público do Paraná (MPPR) e da Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa do Estado. As observações resultaram em uma profunda revisão das leis e em diversas sugestões ao CEMP.

Com as consultas em mão, os deputados estaduais formaram uma Comissão Especial em dezembro de 2023. O colegiado, presidido por Márcia Huçulak e relatado por Mabel Canto, se debruçou sobre as análises e o projeto. Também participaram as parlamentares Cantora Mara Lima e Luciana Rafagnin, tal como o deputado Luiz Fernando Guerra.

Dois meses depois, o então projeto de 62 leis se tornou um substitutivo que consolidou 99 normas. O relatório da deputada Mabel Canto resulta em um texto aprimorado: as mudanças iam desde correções e eliminação de ambiguidades nas leis originais até adequações que atualizaram e adequaram o escopo das normas. Ao unir e harmonizar leis esparsas, o novo texto reforça a segurança dos direitos da mulher.

Depois desse longo processo, o projeto foi encaminhado ao Plenário no dia 13 de março. No dia 11 de abril estava no Diário Oficial. Mara Lima lembra da emoção. “A gente sabe o quanto é difícil transformar dor em política pública”.

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