A história em tempos de algoritmo

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No alvorecer da década de 1940, Marc Bloch, prisioneiro das tropas nazistas, escrevia “Apologia da História ou o ofício de historiador”, um livro motivado pela singela pergunta que ouviu de seu filho: “Papai, para que serve a história?”.

Ao refletir sobre a resposta, Bloch desenvolveu um ponto de partida sobre o produto da História com “H” maiúsculo, ou seja, a História enquanto ciência. Entre suas inquietações, destacava-se a necessidade de manter a disciplina relevante diante das crescentes complexidades do saber científico. “A História, não esqueçamos, ainda é uma ciência em obras”, escreveu o cofundador da revista dos Annales, que revolucionaria a produção historiográfica.

No século XXI, os desafios são outros. Nunca o leitor teve à disposição tantas fontes e tamanha facilidade de acesso ao conhecimento. Paradoxalmente, porém, vê-se cada vez mais refém de algoritmos, que não ampliam sua visão, mas a confinam dentro das fronteiras de suas próprias convicções político-ideológicas.

Bloch não viveu para testemunhar o advento da Era da Informação. Nesse novo contexto, a ciência de Heródoto, revitalizada, passou a ser disputada no campo da consciência coletiva. Livros, rádio e cinema deixaram de ser apenas veículos de conhecimento e tornaram-se também armas de difusão.

Embora não tenha sobrevivido para testemunhar os desafios da polarização contemporânea, Bloch nos legou estratégias para enfrentá-los. Ele nos alerta que a História se desenvolve, gostemos ou não, a partir de recortes arbitrários e da seleção de fontes que compõem uma narrativa dentre outras possíveis sobre um mesmo fato.

Mas isso não significa, para Bloch, que as ciências humanas devam sucumbir ao maniqueísmo; ao contrário, elas se tornam mais fecundas na medida em que incorporam a complexidade inerente aos acontecimentos.

Marc Bloch, judeu, foi executado pelos nazistas em 16 de junho de 1944. Sua morte, contudo, não silenciou sua obra inacabada. Herdeiros de seu legado, Lucien Febvre e Fernand Braudel, escreveram que a História soterrada sob as catacumbas pode ser trazida à tona quando passível de ser interrogada.

Para o leitor contemporâneo, cercado por algoritmos que filtram a informação que lhe é conveniente, traduzo: uma opinião constituir-se-á frágil, inócua, se construída unilateralmente.

Desconfiemos, portanto, de uma História que recusa o contraditório. Na era da informação – ou da seleção da informação –, o rompimento do cerco é não somente o verdadeiro ato de resistência, mas um primeiro passo para compreensão de uma totalidade multifacetada.

Diante do universo de possibilidades, navegar de olhos abertos pelo oceano de perspectivas pode, sim, causar estranhamento. Quando isso acontecer, o leitor saberá que começou a entender.

*Por Juan Bender é especialista em história e ciências política e autor de “O que você ainda não sabe sobre 1964 – Ideologia & polarização na Guerra Fria do Brasil”

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