O buraco é bem mais embaixo
Por Dartagnan da Silva Zanela (*)
Somente 16% dos brasileiros compraram algum livro nos últimos 12 meses, de acordo com uma pesquisa realizada pela Câmara Brasileira do Livro. Ou seja: 84% das pessoas, em nosso triste país, não compraram nenhum e, ouso dizer, que um bom tanto daqueles que compraram, nem os folhearam.
Este é um triste retrato da mentalidade tacanha da sociedade brasileira, especialmente daqueles que frequentaram os átrios da educação formal e ostentam, orgulhosamente, os seus diplomas.
O mais curioso é que são justamente essas pessoas, avessas ao universo sem fim dos livros, que miram seus olhos para as tenras gerações e, com o dedinho em riste, gostam de dar lições de moral sobre a importância da educação.
E se isso não bastasse, essas mesmíssimas pessoas, não deixam de dar as suas preciosas dicas e pitacos a respeito deste assunto que elas ignoram por completo e que, diga-se de passagem, nunca realmente quiseram conquistar.
Por isso, se pegarmos e puxarmos as correntes da memória, iremos lembrar de inúmeros momentos onde amigos e colegas compartilham seu contentamento por ter comprado uma blusa, uma calça maneira, um carro, um celular, a felicidade de ter ido a um show, a um baile ou algo similar, porém, quantas vezes um amigo ou colega chegou até nós, sorrindo, se derramando de alegria, por ter comprado um livro que a muito queria ler, quantas? Quantas vezes um amigo, faceiro, chegou até nós para contar que terminou de ler o livro que estava lendo, narrando detalhes e apresentando suas impressões sobre o mesmo, quantas vezes isso já ocorreu conosco? Quantas vezes, meu bom amigo, nós fizemos isso? Quantas? Pois é. Imaginei que a resposta seria essa.
Infelizmente, o imediatismo preguiçoso, em nosso país, anda de mãos dadas com o desamor ao conhecimento e com a ignorância presunçosa e isso, não é de agora não. Vem de longa data. Ou seja, o universo hi-tec apenas potencializou esse traço de uma forma excepcional.
De mais a mais, ignora-se o fato de que a virtude do estudo, e a prática da leitura de maneira particular, não podem ser simplesmente ensinadas com ordens estéreis, com o uso de plataformas digitais ou com chiliques histéricos de indignação fingida, porque as virtudes não podem ser ensinadas, elas podem apenas ser aprendidas através do exemplo.
Mas não por meio daquele exemplo encenado, artificioso e oco. O exemplo tem que ser testemunhado sem ser exibido para ser eficaz.
Quando um pai, um tio, os adultos de um modo geral, passam a demonstrar amor pelos livros, pela literatura, quando as crianças têm a oportunidade de vê-los imersos numa leitura, da mesma maneira que os veem imersos na programação televisiva, ou em outras coisinhas nem um pouco apropriadas para qualquer idade, com toda certeza elas passarão a desejar esse misterioso objeto para saber o que há em suas páginas que faz as pessoas terem seus olhos alumiados com um brilho que não é encontrado em tela alguma.
Aliás, as crianças sabem onde realmente o coração das autoridades e demais cidadãos está quando começam a falar da importância da educação. Todos sabem, não é mesmo?
Por essa razão que a educação das tenras gerações começa com a perene correção da nossa. Por essa, e por muitíssimas outras, que qualquer um que realmente creia que a terceirização do sistema de ensino seria a salvação da lavoura o crê porque, provavelmente, nunca parou para pensar seriamente a respeito do assunto.
Possivelmente, nunca leu um livro sobre o tema. Talvez, nunca tenha lido livro algum sobre coisa alguma.
(*) Professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A Quadratura do Círculo Vicioso”, entre outros livros.