O comércio futuro
Em toda a minha trajetória na atividade comercial e, desde 2004, à frente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná, jamais imaginei presenciar um cenário tão alarmante e desafiador. Há meses vivemos à sombra de uma ameaça invisível, que transformou radicalmente as relações sociais, a economia e o comércio.
A pandemia forçou a migração dos negócios para o universo on-line, que deixou de ser opção secundária. As empresas começaram a aprender que é importante abandonar a “gambiarra digital” desde já. Ou é verdadeiramente on-line ou não é. Plataformas digitais competentes, mesmo que sejam pequenas, são as que vão sobreviver. Não existe setor da economia ou tamanho de negócio que possa afirmar não ter necessidade de investir no digital. Empresas que pensarem assim estarão fadadas à ruína.
Isolado, na segurança de sua casa, o consumidor foi impelido para o comércio eletrônico. As empresas que conseguirem proporcionar uma experiência satisfatória aos seus clientes, em todos os aspectos, não os perderão para as lojas físicas ao fim da pandemia. Em um futuro mais próximo do que se imagina, as lojas físicas serão redesenhadas como espaços de experimentação da marca, enquanto as vendas serão feitas, de fato, nos canais virtuais.
A transformação abarca pequenos e grandes negócios. Para se ter uma ideia, 95% das Starbucks foram reabertas na China, mas o movimento é 60% do que era. As pessoas não consomem mais na loja, compram o vão embora. A gigante das cafeterias deverá rever seu modelo, reduzindo espaços de convivência.
Os maiores varejistas americanos já demitiram mais de um milhão de colaboradores e devem reempregar somente 85% deles no fim da crise. A explicação é que o comércio tradicional vai encolher.
A educação on-line foi posta à prova desde o surgimento da covid-19, permitindo uma revolução na forma como se aprende em todos os níveis. A crise trouxe a oportunidade de uma grande mudança nos sistemas de educação e de saúde, usando tecnologias de aprendizagem digitais para atender a população.
No caso do Senac, posso garantir que ele já está preparado para esse novo contexto, com instrutores qualificados para atuar no ensino remoto e implantação de metodologias e ferramentas tecnológicas capazes de oferecer ao aluno a mais empolgante experiência de aprendizagem digital.
No âmbito do comércio, sai o estoque just in time e entra o just in case. As empresas aprenderam que precisam ter estoques maiores de segurança, principalmente quem tem cadeias longas de fornecimento. Os Estados Unidos desenvolveram uma cadeia de supply com a China nas últimas décadas que fez os americanos perderem capacidade tecnológica de fabricar no seu próprio país, ao longo do tempo. Isso vai mudar por questões de segurança. O globalismo sofrerá um duro revés, substituído pelo protecionismo. Os desalojados pela falência da antiga indústria norte-americana, há muito com dificuldades para se recolocar, vão sustentar posições políticas protecionistas – como já ocorreu no processo que culminou com a eleição do Trump em 2016.
Existem 1.700.000 vírus detectados em animais. Destes, 700 são coronavírus. Temos que aprender com a atual pandemia para estarmos prontos a enfrentar um surto por década.
Os modos de viver, de se relacionar, de trabalhar, vão mudar tanto que nós, grosso modo, dividiremos a história em antes e depois do coronavírus.
Hábitos de viagem mudarão radicalmente. Haverá uma redução absurda nas viagens de negócios, substituídas pelas videocalls. Viagens de lazer terão como destino prioritário o interior, junto à natureza, ou a lugares com baixa concentração de pessoas.
O setor agrícola brasileiro tem uma oportunidade de ouro a partir de agora. Será necessário investir cada vez mais em tecnologia, digitalização e na qualificação de seus profissionais e gestores.
Direitos individuais versus saúde serão um dos grandes debates no mundo, na medida em que rastrear individualmente cada indivíduo torna-se uma das estratégias mais eficazes de controle nas pandemias. No entanto, esse rastreamento pode ser usado pelos governos para monitoramento das pessoas, impondo restrições à liberdade individual.
Conclusão: quem hoje está ocupado, precisa começar a pensar na sua futura profissão, atualizar-se o tempo todo com as novas tecnologias. As empresas de educação e o poder público federal precisam se comunicar com o mercado incessantemente para entender às necessidades e fornecer os conteúdos demandados, que não são mais o que as universidades entregam hoje aos alunos. Na sociedade do conhecimento não existe “ex-aluno”. Ou você está aprendendo o tempo todo ou você está desempregado.
Um conselho aos empresários: não vejam a crise como um momento de cortar custos. Pensem em investir em novas áreas, em novas tecnologias. Haverá muitas oportunidades para as empresas que se adaptarem em tempo real. Vamos renascer em um mundo novo, viveremos uma nova rotina. A vida vai ser diferente. Ninguém sabe exatamente como, mas temos que estar abertos e preparados para nos adaptar com agilidade, venha o que vier pela frente.
Darci Piana é presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR, presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae/PR e vice-governador do Paraná