Os riscos das enormes importações brasileiras de lixo de outros países

Dilceu Sperafico*

O Brasil, como sabemos, produz milhares de toneladas de resíduos sólidos poluentes todos os dias, mas recicla menos de 4% desses materiais. Não contente com essas montanhas de lixo e sem conseguir dar conta delas, o País resolveu comprar ainda mais resíduos de outras nações para reciclá-los e colocar a “façanha” em seus relatórios de sustentabilidade. Este é o Brasil equivocado. A situação parece surreal, mas a importação de resíduos pelo País vem crescendo ano a ano. Somente entre 2019 e 2022, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as compras de papel e vidro de outros países subiram respectivamente 109,4% e 73,3%.

No caso do plástico, o período registrou aumento de 7,2%. Um dos fatores que fizeram com que esses números tenham crescido tanto é que o governo anterior tinha zerado a importação desse tipo de resíduo. Porém, o atual governo subiu a taxa de importação para 18% e, mesmo assim, contrariando expectativas, a prática segue crescendo. A explicação para essa distorção está no bolso, pois continua sendo mais barato comprar resíduos de fora em vez de reciclar os nossos próprios. Com a importação, o valor do material recolhido pelos catadores tende a baixar cada vez mais, levando à precarização ainda maior do trabalho desses profissionais.

“Não faz sentido não aproveitarmos o que geramos. Se você facilita a importação não desenvolve a cadeia aqui, retirando recursos que iriam ajudar catadores a terem vida melhor. Não adianta dizer apenas que o produto é reciclado, pois é preciso olhar para toda a cadeia de fornecimento. Os direitos humanos de quem recolhe esses resíduos também deveriam ser levados em consideração”, aponta Isabela de Marchi, gerente de Sustentabilidade da Sistema de Informações Gerenciais (SIG), do Governo Federal. Segundo ela, é preciso aumentar ainda mais os incentivos fiscais para que as empresas utilizem o material existente no País.

Patrícia Iglecias, professora e superintendente de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), observa que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), prevê no pós-consumo a priorização da inserção das cooperativas de catadores e sua profissionalização.

“Os resíduos devem ser geradores de renda e cidadania. Ao não usar o trabalho dos catadores, você não atende à ecoeficiência que está na lei. Existem impactos que não estão no preço dos importados, já que há emissões de carbono por conta do transporte no navio e riscos de acidentes, sem contar que não há dados sobre a forma como este resíduo foi produzido no país de origem. Ou seja, é uma concorrência desleal com nossos resíduos”, acrescenta a especialista.

Levantamento feito pela USP aponta que em 2021, o Brasil importava 8,6 mil toneladas de resíduos por ano. Isso equivalia a 4% da geração de resíduos em um único dia no País. Dados coletados por associações brasileiras de coletores de resíduos sólidos mostram que de 2021 até os dias de hoje, foram importadas 249 mil toneladas de papel, 12 milhões de toneladas de plásticos e 21 mil toneladas de vidro. Os Estados Unidos encabeçam a lista de nossos principais fornecedores de lixo. Ainda bem que tramita no Congresso Nacional em regime de urgência, Projeto de Lei nº 3944/2024, que altera a Lei nº 12.305, de dois de agosto de 2010 e institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, proibindo a importação de resíduos sólidos.

*O autor é deputado federal pelo Paraná e ex-chefe da Casa Civil do Governo do Estado

E-mail: dilceu.joao@uol.com.br

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