Pós-pandemia argentina será melhor que brasileira

No contexto atual, apesar das diferenças históricas e futebolísticas acentuadas, Argentina e Brasil vivem momentos diferentes no relacionamento bilateral. Com pensamentos opostos, os presidentes Alberto Fernández e Jair Bolsonaro estão em dificuldade de manter diálogo construtivo dado à visão que possuem sobre a importância da democracia e a defesa da sociedade em tempos de pandemia.

É notório que o grau de afastamento entre as duas nações é o maior desde a década de 1980, momento em que saíram de regimes militares e reiniciaram a caminhada democrática. Bolsonaro protagoniza o mesmo comportamento de seu aliado Donald Trump e seu pensamento autocrático ao desrespeitar os órgãos de imprensa, atacar grupos vulneráveis, contestar a justiça quando exalta decisões contrárias a seus filhos e pessoas do staff. Por fim, despreza a democracia com apoio de milícias para assegurar a permanência no poder.

Contrariamente ao quadro brasileiro, Fernández conseguiu passar a mensagem à sociedade argentina da importância da unidade e superação de questões partidário-ideológicas no momento de pandemia. Não estar aliado com os EUA mostra a postura de liderança regional necessária para manter independente a América Latina no presente momento. A defesa de valores democráticos se impõe para combater movimentos fascistas e extremistas que podem contaminar a região.

Nesse cenário, importa estabelecer as diferenças atuais de Argentina e Brasil no trato com a democracia em cada caso. Na Argentina, a opção clara é pela manutenção das instituições e não pelo confronto. No Brasil, denota-se esvaziamento de liderança regional, apoiado em discurso messiânico ultraliberal, o que já se reflete nas relações comerciais bilaterais. Desta forma, a China assume o posto de maior parceiro de produtos argentinos que era atribuído ao Brasil, aprofundando a disputa velada entre os dois países.

A incapacidade de defesa da democracia no Brasil replica a sensação de desordem de valores. Nesse sentido, multiplicam-se ações corriqueiras de racismo e de discriminação, o que mostra como a sociedade brasileira está afetada por desleixo aos valores democráticos. A dificuldade do momento exige união de esforços para superar as dificuldades econômicas após a pandemia. O Brasil deve se espelhar no vizinho para entender a melhor forma de cuidar do povo e não destruir os pilares da recente democratização ocorrida no país. Por tanto, defender a democracia implica em impedir a corrosão social e a danificar as estruturas de manutenção do país. Dessa forma, a Argentina de Fernández deverá sair mais fortalecida que o Brasil, no momento, em que ao preservar seu patrimônio, agregará mais condições de retomar a vida normal.

Enquanto caberá ao Brasil com Bolsonaro resistir de maneira infensa a proteger a democracia; movimentar a coletividade ao caos e a desobediência civil, dado a não punir de forma eficaz atos que somente o uso da temperança será capaz de promover equilíbrio e que está em desuso no país.

*Rogério do Nascimento Carvalho – advogado, pesquisador de conflitos armados, doutorando no Programa de Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (USP).

e-mail: rogerionascimento@usp.br

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