Em tempos de crise, o amor resiste a todas as barreiras

*Edvaldo Silva

Ao longo da história, momentos de grande turbulência social e política foram marcados pelo florescimento de relações que desafiaram as expectativas e resistiram às imposições externas. Nos anos de ditadura militar no Brasil, por exemplo, quando a repressão política assolava famílias e indivíduos, muitas relações de afeto – seja no plano romântico ou na amizade – serviram como ponto de resistência, símbolo de uma humanidade que não se dobra à opressão.

No Brasil contemporâneo, um novo ciclo de polarização política traz à tona a relevância dessas relações. Com a sociedade dividida, onde os discursos de ódio e intolerância ganham cada vez mais espaço, relacionamentos profundos podem ser vistos como um ato de coragem. Há algo revolucionário em manter o respeito, afeto e diálogo em meio ao caos político.

Este tipo de resistência tem sido documentado no decorrer da história, com exemplos marcantes em contextos de guerra, opressão e crise.

Inúmeros romances e filmes retratam este poder em momentos de luta. “Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez, é um belo exemplo disso. O autor dizia que “todo bom romance deveria ser uma transposição poética da realidade” e, nesta obra, García Márquez utiliza a própria vivência e a de seus pais, para criar um romance inspirado nas angústias do primeiro amor e na potência desse sentimento.

A conexão entre os personagens Florentino Ariza e Fermina Daza perdura por décadas, sobrevivendo a guerras, questões de classe social, distância, e até a separação forçada pela vida. A obra de Gacía Marquez celebra a ideia de que o amor, em sua forma mais resiliente e persistente, pode superar as circunstâncias mais duras.

Numa sociedade marcada pela violência ou pela insegurança, os laços afetivos se tornam um abrigo, um local onde as pessoas podem encontrar apoio para continuar sua luta pessoal e coletiva. Os relacionamentos, assim, se tornam ainda uma rede de apoio essencial à sobrevivência emocional. Eles oferecem uma fuga do pesadelo diário e uma razão para seguir em frente.

Para aqueles que enfrentam a violência do regime, a opressão social ou as perdas inevitáveis de uma sociedade em desespero, a presença do outro, seja em um beijo furtivo ou em uma conversa tranquila, é a energia vital que permite seguir. Em sua essência mais profunda, o amor é sempre uma escolha de dignidade, de humanidade e de resistência à fragmentação do mundo ao nosso redor.

*Edvaldo Silva é mestre em Artes e Multimeios pela Unicamp e autor do romance histórico “1968: Centelhas sob palha seca”, sobre as lutas por liberdade na década de 60.

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