“A fila anda!” e as relações sustentáveis

O relacionamento se inicia e o encanto passa quando as dificuldades aparecem. Afinal, ninguém é perfeito. Depois do desabafo vem o conselho:

– Separa. A fila anda!

Muitas decisões são baseadas no pressuposto de que “a fila anda”. Isso se aplica no âmbito pessoal, profissional e social. Relações fugazes, contatos rápidos e conexões efêmeras revelam um momento vivido em que a ideia do descartável migrou das coisas para as pessoas. Com isso, os relacionamentos são iniciados e terminados em períodos cada vez mais curtos, dificilmente sendo duradouros. Os contatos são mais frequentes e numerosos, muitas vezes, não importando a qualidade. As conexões são passageiras, dificilmente alcançando profundidade. São as marcas de um tempo em que tradições e costumes foram modificados quase tão rapidamente quanto a tecnologia. A tecnologia impactou diretamente em como consumimos as coisas, transitando do durável para o descartável avançando agora para o sustentável. Entendeu-se que os impactos do consumo descartável atingem a qualidade de vida de todas as pessoas, independentemente de elas estarem envolvidas no seu consumo. Por isso pergunto: qual o impacto da descartabilidade das pessoas nas relações humanas? A ideia de que a “fila anda” é sustentável?

No ambiente tecnológico a substituição de uma tecnologia por outra num movimento inclemente de obsolescência que sepulta rapidamente tendências, trabalho e empresas, é chamado de disruptivo. Ninguém se importa com aquilo que foi descartado. Quando o disruptivo migra para as pessoas se tem a descartabilidade das relações. Nas organizações as conexões se limitam cada vez mais a projetos com início, meio e fim, não permitindo que as pessoas criem suas histórias. Assim, as breves conexões nas organizações, marcadas por carreiras alternativas, produzem mais contatos que são cada vez rápidos. Essa sequência também se reflete nas relações que são mais fugazes num movimento de consumo descartável de pessoas por pessoas e por organizações. “A fila anda!” pode ser o disruptivo dos relacionamentos. São os tempos de amor líquido, segundo Bauman. As pessoas se aproximam das pessoas por aquilo que elas podem obter da outra pessoa, configurando-se num extrativismo relacional, organizacional e social. “Eu fico contigo enquanto você me der aquilo que eu quero”. Quase não há mais a preocupação em construir um relacionamento duradouro, resultado de contatos de longo prazo e com conexões profundas. As pessoas têm se consumido, usado e se descartado de forma disruptiva, sem se importar com os outros. Isso tem produzido danos emocionais que se refletem nas organizações e na sociedade. Para as organizações fica o desafio de engajar as pessoas para que sejam produtivas. Para a sociedade há uma desestruturação dos núcleos familiares de maneira crescente. O que vai resultar disso tudo? Não sei, porém o momento vivido poderia ser aproveitado pelas pessoas para mudar o foco, ao se perguntar: o mundo é melhor com a minha presença?

Acredito que a liberdade individual nos dá o direito de ter relações curtas, de manter contatos rápidos e de criar conexões passageiras. “A fila anda” é o exercício do poder da escolha. Porém, nos dá também a responsabilidade de entender que pessoas não são bens de consumo, seja na esfera pessoal, profissional ou social. Uma relação pode ser curta, mas deve ser autêntica. Um contato pode ser rápido, mas deve ser genuíno. Uma conexão pode ser passageira, mas deve ser verdadeira. A tecnologia pode favorecer a dinamicidade das relações, dos contatos e das conexões, entretanto não deve afetar a sua essência que é a integridade. Ao se criar relações íntegras as minhas ações serão positivas para as pessoas, independentemente da profundidade das relações, dos contatos e das conexões. Trata-se de construir relações sustentáveis, porque as pessoas não são para serem consumidas.

Se “a fila anda”, não gosto da ideia de ser consumido. E você?

Moacir Rauber

...
Você pode gostar também
Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.