A repetição é a linguagem da vida!

A idade estava avançada, mas a memória seguia ativa e trazia a lembrança do primeiro encontro com a sua esposa. Saíram para jantar em seu fusca. A noite fora linda. No retorno ele estacionou em frente à casa dela, num bairro tranquilo, ao lado de uma igrejinha. Ainda era cedo. Ele desceu, foi até o outro lado e, cavalheirescamente, abriu a porta. Ela saiu do carro e pegou na sua mão. Nisso, um transeunte disse:

– Lembrem-se a repetição é a linguagem da perfeição e do amor!

Era o padre que saia da igreja. Lembrava que em seguida pensou: por que a repetição era a linguagem da Perfeição e do Amor? Para ele a repetição estava associada à rotina, à monotonia, ao tédio e ao final do amor. Nada de perfeição. Ele não pensava em ter um matrimônio de rotinas. Entretanto, com o passar dos anos, ele foi se dando conta dos milagres oriundos da repetição como linguagem da perfeição e da rotina como elemento de estabilidade para manter o amor.

Mais de sessenta anos se passaram e ele voltava a essas memórias. Pensava que a repetição e a rotina eram importantes em diferentes áreas da vida. Na (1) área relacional pensava em tantos amigos que terminaram um ou mais matrimônios, porque não tiveram rotina e não criaram rituais significativos que se repetissem para que se mantivessem alinhados em suas escolhas. Desse modo, a rotina de não ter rotina se transformava em algo esgotador. Ele lembrava da (2) esfera organizacional como gestor de processos numa grande organização e ao transformar a sua pequena loja numa empresa sólida que atendia bem aos clientes, remunerava com justiça os colaboradores e sustentava a sua família. Foi da repetição observada que ele estabeleceu a rotina criativa que permitiu que os processos fossem sendo alterados em conformidade com a mudança ambiental sem perder a essência dos valores que trazia consigo. Nesse momento, em que mais uma vez ele descia do carro em frente a sua casa, ele pensava que (3) a vida precisa da repetição: a respiração é repetição, ainda que se possa fazê-la mais longa ou curta. Os batimentos cardíacos são repetição, mesmo que às vezes se acelerem e desacelerem. Alimentar-se é repetição, ainda que se possa escolher diferentes comidas. Hidratar-se é repetição, mesmo que se tenha a possiblidade da escolha. Sem a repetição a vida para.

A espiritualidade encontrada na oração e na meditação exige repetição. E as palavras podem ser repetidas? E quando repetidas, são autênticas? Muitos dizem que palavras repetidas numa oração, por exemplo, se tornam automáticas perdendo sua autenticidade. Entretanto, há que se lembrar que o amor é a repetição que nos leva a dizer “Eu Te Amo” não somente uma vez na vida para aqueles que amamos. Quantas vezes se diz ao filho “eu te amo”? Quantas demonstrações de amor mantém uma amizade? E um matrimônio, se sustenta para aqueles que dizem “Eu Te Amo” somente na hora da benção? “Eu Te Amo” precisa ser dito todos os dias com palavras e ações. É a repetição!

Todas essas reflexões passavam pela cabeça daquele ancião que há tanto tempo havia escutado de um padre que a repetição era a linguagem da perfeição e do amor. Ele cruzava mais uma em vez frente ao seu carro para abrir a porta para a sua esposa. Ela desceu com dificuldade, pegou na sua mão e caminharam juntos rumo a casa. Ele nunca deixou de repetir esse gesto que, para ele, representava a perfeição que o manteve conectado por toda uma vida com a pessoa com quem ele escolheu repetir a rotina de construir o amor. De mãos dadas com a esposa, antes de dormir, fizeram a oração numa repetição que era a linguagem da Vida para eles. Por fim, enquanto se preparava para dormir ainda lembrou que o nascer e o pôr do sol são repetições e a lua repete os seus ciclos. Para ele, a repetição é a Linguagem da Vida!

Moacir Rauber

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