Não aguento ficar sem o celular…
Observar as pessoas na rua é sinônimo de ver a conexão que desconecta. Estávamos num dos parques mais lindos de Florianópolis sentados à sombra de uma árvore. Tomávamos chimarrão, líamos um livro e víamos a paisagem que estava a nossa frente. A areia da praia, a água do mar, a imagem e o som do vaivém das ondas, além de ver as pessoas que caminhavam no parque. Não pudemos evitar. Vimos o fenômeno dos celulares. Das 100 primeiras pessoas que contamos, 79 estavam com o celular na mão ou fone de ouvido. Estavam quase todos conectados com um mundo longe de sua realidade física. Havia a grande possibilidade de que estavam desconectados de si mesmos. Um amigo meu que caminhava por ali, igualmente com celular na mão, nos viu. Parou, nos saudou e começou a conversar. Perguntei-lhe sobre caminhar e o celular na mão. Ele respondeu:
– Não aguento ficar sem ele. Não desgrudo dele…
Ficamos intrigados com a frase dita em que ele admitiu não aguentar ficar sem o celular, o fenômeno dos estímulos externos. O celular é o mais representativo deles, pois concentra as redes sociais, a televisão, a internet com todo o conhecimento e informação disponíveis e o e-mail, além dos arquivos que antes se viam somente no escritório. Além do celular, a quantidade de eventos, programas e outras atividades a que as pessoas tem acesso é inimaginável no período em que o homem fazia parte da natureza. Hoje dizemos “o homem e a natureza”. Aventamos outras possibilidades. Uma delas é que as pessoas aguentariam ficar sem o celular, porém não aguentam ficar com elas mesmas. As pessoas já não se escutam e não conversam consigo mesmas. Sequer cruzam a rua sem o celular na mão, colocando em risco a própria vida e a de outros. Nunca se está sozinho. Nas demais fases da história da humanidade estar sozinho não era opção, acontecia. O caçador ficava em silêncio para caçar. O agricultor ficava sozinho ao trabalhar. O atleta saía para treinar sem nada para escutar. As pessoas no caminho de casa para o trabalho e do trabalho para casa eram acompanhadas pelo som do seu diálogo interno, assim como ao se deitar para dormir somente poderia se escutar ou o tic tac do despertador. Esses momentos, poderiam ser considerados meditativos e eram pausas para recobrar a consciência das metas e dos objetivos pessoais e profissionais. Os diálogos internos que o meu amigo talvez não queira ter, representa o encapsulamento externo em que nos prendemos fora de nós mesmos. O que fazer? Os retiros de silêncio mais prolongados, as meditações diárias e as pausas entre uma atividade e outra podem ser de grande ajuda para restabelecer a conexão consigo mesmo e com o mundo. Os (1) Retiros de Silêncio mais prolongados podem ser um processo curativo e de planejamento estratégico do indivíduo. O mundo e a minha organização são melhores porque estou neles? Eu estou onde quero estar e estou indo para onde quero ir? Entre outras questões existenciais que fazem diferença responder de tempos em tempos. As (2) Meditações Diárias no princípio de um dia podem contribuir para estabelecer os padrões de conduta frente aos desafios diários. Qual é a minha intenção na relação com os demais? Quais serão as minhas ações? O desafio será manter elas alinhadas a partir das (3) Pausas entre uma interação e outra ou entre uma atividade e outra. Qual será a minha resposta? Qual será a minha ação? As pausas contribuem para que cada um possa identificar se aquilo que vê e escuta é a realidade ou a interpretação dela, permitindo que a ação esteja alinhada com a intenção, levando-me para onde quero ir.
Conversamos mais um pouco e o meu amigo seguiu o seu caminho com o celular na mão, desconectado da beleza física que o rodeava e conectado no mundo virtual que sempre o acompanhava. Oxalá a análise acima seja somente uma interpretação da realidade e que ao não desgrudar do celular o meu amigo possa se conectar com aquilo que seja essencial.