O que estamos fazendo com as nossas crianças?
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Na semana que estiveram de férias em nossa casa, observava a relação da mãe com o filho de catorze anos e não podia acreditar no que via. O pai não estava presente e não queria proximidade com o filho. A mãe, por outro lado, estava presente o tempo inteiro. Porém, quem comandava a casa era o filho que dormia e se levantava nos horários que queria, assim como escolhia o que e quando queria comer. Ao se levantar a mãe preparava o café da manhã, oferecendo yogurte e outras comidas que o filho, muitas vezes, recusava de mal humor. Para almoçar o filho dificilmente comia conosco, porque a mãe preparava as comidas que ele escolhia e o servia. Para jantar o menino somente comia guloseimas cheias de sódio e açúcares, fazendo com que estivesse a caminho da obesidade. Além disso, o filho não sabia e a mãe não o deixava fazer absolutamente nada. Ela o vestia, passava protetor solar, buscava os seus óculos escuros e carregava a sua prancha de isopor para brincar na areia. Numa manhã, tive o atrevimento de pedir ao menino para comprar pão para nós no mercado que fica a 150m de casa. A mãe interveio:
– Não, meu filho, você não pode ir sozinho, é muito perigoso. Eu vou com você!
O que essa realidade nos mostra?
Nos mostra que em algum momento de nossa trajetória humana saímos de um mundo com pais, por vezes, opressores e muito duros com os filhos e migramos para um modelo de pais, demasiadamente liberais e inseguros na relação com os filhos. Com isso, atendemos os desejos dos filhos e descuidamos das suas reais necessidades. Além disso, o exponencial desenvolvimento tecnológico contribui de maneira efetiva para vivermos sobre estimulados pelo tempo de conexão ao mundo virtual, não necessariamente conectados com as necessidades.
Desse modo, o resultado é um emburrecimento geracional que entendo estarem ligados a esses dois fatores: (1) pais ultraliberais que não exercem o papel de adultos frente a filhos que crescem sem a orientação necessária sobre as responsabilidades; e (2) a sobre exposição aos recursos tecnológicos em que a inteligência não está mais com o indivíduo, mas nos equipamentos de que ele dispõe.
No livro “Olhe mais uma vez” de 2010 comentava sobre a constatação que emburrecíamos gradativamente ao transferir o nosso conhecimento para a “nuvem”, fenômeno que foi empiricamente comprovada na pesquisa do francês Michel Desmurget publicada no livro “Fábrica de Cretinos Digitais” (2020). Os dados divulgados são contundentes em como os dispositivos digitais e o excesso de estímulos a que as crianças e os jovens estão expostos os afetam negativamente, levando-os a serem menos inteligentes.
Entretanto, no meu ponto de vista, o emburrecimento geracional que constatamos está mais fortemente relacionado ao fato da ultraliberalidade dos pais que não exercem o seu papel de educar e de cuidar das necessidades dos filhos. Entre elas, a necessidade da ordem e da disciplina não como algo rígido, mas exatamente para que saibam exercer a liberdade de assumir as responsabilidades das suas próprias escolhas permitindo que cresçam e desenvolvam todo o seu potencial. “É da natureza da semente de carvalho se tornar um carvalho” (Jean Houston), assim como é da natureza de uma criança se tornar um adulto pleno, desde que nós, adultos, não os tratemos como imbecis. Inclusive, ao não deixar os filhos a Deus dará no mundo virtual sem se responsabilizar pelas tarefas no mundo real.
O que nos mostra a descrição da relação entre mãe e filho descrito no início do texto? Que a mãe, por suas razões, trata o filho como um incapaz. Ao não o deixar fazer nada a mensagem subliminar enviada é a de que o adolescente é incompetente, estimulando a que ele seja o cretino digital descrito na pesquisa francesa.
O que estamos fazendo com as nossas crianças? Tratando-as como seres humanos competentes, completos e em desenvolvimento ou como pessoas incompetentes para a vida? É essa postura que vai ditar o caminho da humanidade!
Moacir Rauber
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