Um cego no Vaticano. E no mundo?
Martin Descalzo trabalhava no Vaticano como jornalista e um dia recebeu um telefonema de um amigo que lhe pedia um favor:
– Posso indicar você para mostrar a Basílica de São Pedro para um amigo meu?
– Claro que sim!
– Mas não é um amigo qualquer. Ele que “ver” a basílica, mas ele é cego.
Martin fica boquiaberto. Como um cego poderia “ver” a Basílica de São Pedro com suas obras, colunas, abóbadas e vitrais? Seria para ele, que era padre, o maior desafio de sua vida fazer alguém ver a basílica pelos seus olhos, o que terminou sendo o dia mais marcante da sua vida. Bastava Martin se lembrar de uma das frases do seu ilustre visitante cego: Os homens são bons, embora, às vezes, seja preciso ser cego para ver a bondade. Uma das principais crenças do visitante Lorenzo Tapia era a de que os homens eram bons, ainda que estava ciente de que o lado não bom estava presente em cada um. Ele dizia que para ser mau é preciso estar louco, o que não quer dizer que todos os loucos sejam maus.
O padre Martin estava nervoso pela insegurança de não saber como fazer para que Lorenzo pudesse “ver” a Basílica de São Pedro. Começaram o passeio pelos espaços que ele acreditava que conhecia muito bem. Ao passar pelos lugares que caminhava todos os dias descrevendo os detalhes para o seu amigo, percebeu que, muitas vezes, não enxergava aquilo que olhava e via. Marque-se a diferença entre olhar, ver e enxergar. Alguém pode olhar sem ver nem enxergar. Alguém pode olhar e ver, mas não enxergar. E naquele momento o Pe. Martin entendeu que finalmente estava exercitando a plenitude dos sentidos, porque olhava, via e enxergava o ambiente que acreditava ser tão conhecido para ele. Em todas as visitas que fizera acompanhado de pessoas que olhavam e viam ele não havia realmente enxergado. Agora que acompanhava um cego que olhava, mas não via, era ele quem enxergava. Da mesma forma, ao descrever a basílica para um cego, Martin compreendia que Lorenzo olhava e não via, mas que enxergava de fato, porque sentia.
A visita transcorreu maravilhosamente bem. O seu novo amigo Lorenzo lhe deu uma aula sobre bom humor, humanidade, amor, perseverança, coragem, compaixão e visão. Nas conversas que tiveram Lorenzo revelou que ficou cego aos 11 anos de idade. Foi um choque. Veio a tristeza. Por fim, ele escolheu a vida. Lorenzo decidiu não se encurvar nem se ocultar das dificuldades que encontraria na vida. Viver era um privilégio e ele iria aproveitar a oportunidade por si e pelos que o amavam. Daí nasceu o bom humor de onde vem a crença e a fé nas as pessoas. Dizia Lorenzo, “Posso me perder nas minhas viagens, mas sempre tem alguém que me orienta”. Isso o levou a amar sem medida as pessoas e a vida. Nesse amor está presente a perseverança, porque coisas não tão boas também acontecem. “Eu tropeço e caio. Pessoas que veem também tropeçam”. É a hora de se ter forças para se levantar e seguir. É a perseverança que lhe dá a coragem de não desistir. Desse modo, com bom humor, amor, perseverança e coragem vem a compaixão por si e pelos demais que revelam a própria humanidade. O visitante cego do Vaticano pode não ter o sentido da visão, mas tem a visão plena da vida que lhe permite ter uma vida plena. Enfim, ao terminar o passeio com Lorenzo, o Padre Martin escreve que ao reencontrar as pessoas do seu convívio percebeu que ele estava rodeado de cegos. Diz Martin, “Todos somos cegos de algo. Cegos do coração, da fé, da coragem ou do Amor”. Por isso, tantas pessoas, entre elas eu, muitas vezes, olham e veem, mas não enxergam.
Quem é o verdadeiro cego?
Moacir Rauber